domingo, 20 de dezembro de 2009

O silêncio noturno

O barulho da fábrica abala seu sono. O tremor da rua ao passar do ônibus também abala sua noite de descanso. Suspenso em sonho, cai em pesadelo. O silêncio noturno o surpreende às cinco da manhã.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Nuvem de Esperança ou Chuva Triste

As primeiras gotas de água caíram no telhado e desceram pelas janelas ao raiar durante a noite. Na cama, um lugar ocupado apenas; o outro estava vazio. O frio e alguns respingos entravam pelo basculante aberto. O sono custava a fechar as cortinas. Revirava o corpo numa dança cansativa e fatigante. Olhava as horas no céu do quarto, teto claro. Uma nuvem percorria o teto do mundo. Uma nuvem imensa, branca. Molhava tudo que estava debaixo, até aquela janela, única comunicação do quarto com o mundo exterior. Contava os segundos, mas o barulho mudo era ensurdecedor. Fingia que contava, então, para não acordar as testemunhas imaginárias do outro lado da cortina. Quem dormiu esquece o povo que fica do outro lado cortina. Do outro lado da cortina estavam minha solidão e eu. Uma chuva triste batia na janela uma canção triste. Respingos refrescavam minha face de olhos fechados tentando dormir. Eu contava as gotículas. Teimoso, não levantava. Quem manda aqui sou eu, pensava. Ou não? Eu quero dormir, eu desejo dormir, repetia. A manhã estava chegando. Amanhã não quero perder o dia, completava. Eu quero...

sábado, 12 de dezembro de 2009

Ópio Ódio

Um pê vira dê. Ópio. Ódio. Nó. Górdio. Primórdio. De ponta cabeça. Plantando banana e asneira. É o ópio. Oh, Dio. Um sossego desassossegado. Muito esse pronunciado. Escrito. Pregado. Como os olhos marejados no rio de palavras do último livro lido. Velhos militantes. Histórias do século passado. Anarquistas, minhas listas. Livros amontoados no quarto do computador. Dois ou três na bolsa. Um ombro deslocado. Só para escrever que o pê vira dê quando o vício corrói o sentimento e o torna ódio. Primeiro lugar. No pódio, tristeza.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Perdido na Chuva

Um guarda-chuva e suas goteiras. Lastimei por cinco quadras. Encostei debaixo da marquise. Corri os olhos nas manchetes. O ônibus encostou no ponto. Saí na chuva para me molhar. Atravessei a borboleta. Uma fração de segundos. Olhei pela janela embaçada. Ele ficou lá, escorado na parede da agência bancária. Perdido na chuva. Ele e suas goteiras.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Olho no Asfalto

Um desvio às cegas, tiro o olho do asfalto. Miro a bala perdida e fujo do cerol-corta-pipa. Outra vez retorno à casa, refazendo coisa antiga, coisa tardia. Eu contei mil passageiros e uma roleta. Roleta-russa, não francesa. Eu conto contigo naquele canto. Canto escuro iluminado pelo olhos que um dia foram seus, hoje são meus. Eu retorno à casa, grisalho, refazendo coisa tardia, coisa antiga. Retorno ao ofício, escrevendo um pouco de sentimento, um pouco piegas, um pouco sincero, um pouco pouco.

domingo, 8 de novembro de 2009

O viciado em livros

Muitos livros. Poca plata. Um viciado. Muitos desejos. Muitas leituras. Mailer, Greene, Fonseca, Assis, Freire. Promoções. 3 por 10. A posse. A procura. A insatisfação. O fazer errado. A acumulação. A falta de controle. A falta de leitura objetiva. O excesso de leitura subjetiva. Uma colcha de retalhos. Saborosa. Asfixiante. Ultimamente, fixara-se no tema espionagem. Tornou-se um crente em conspirações, assassinatos, jogos políticos, usos indevidos de informações. Estava doente. Sua vida mudara. Virara um recluso. Recusava-se a sair. Permanecia até tarde lendo histórias passadas que construiram o presente supostamente democrático. Uma biblioteca ambulante. Tinha opinião para tudo e para todos. Estranho. Um fantasma em busca de uma casa mal-assombrada. Viciado na poeira de livros antigos e recentes. Como uma consumidora compulsiva de shopping, não podia ver uma livraria, um sebo aberto. Entrava. Chegava em casa com uma sacola. "De novo?", diria a esposa. "Alguma coisa para a menina?", complementava. Nada. Queria manter a filha longe do seu vício. Corria para o quarto de livros. Não era uma bibiblioteca. Era apenas um quarto de livros. Um quarto diferente de uma fração. Estava cheio, completo, inteiramente recheado de livros. Alguns velhos, alguns recentes. Nada novo. Somente a leitura era nova. Não catalogava nada. Não registrava nada. Às vezes lia quatro, cinco livros ao mesmo tempo. Ia ao banheiro com um e saía dele com outro. Isso o estava entristecendo. Apesar do prazer da leitura, ele se achava muito só. Apesar da família, mulher e filha, ele se achava só. O vício. Precisava acabar com ele. Tentou ficar longe dos livros uma vez. Ele suava em pleno frio do interior. Manteve apenas um livro com ele durante o final de semana distante da cidade. Quando voltou estava rejuvenescido. No entanto, quando voltou ao trabalho, viu as "bocas-de-fumo" no caminho e retornou ao vício.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O velho não sabia a hora da morte

Ônibus lotado. Não cabia mais ninguém no veículo. Ele entrou e ficou na porta. Parecia um pingente. Começou a olhar para a mulher gestante. Lembrou de sua esposa e filho. Um corte na cena doeu-lhe o coração. Iniciou-se uma discussão. Um velho gritou em direção à mulher grávida. Gravidade. Ele não teve mãe?, pensou. Esperou o diálogo, mas não houve diálogo. Apenas o velho falava, berrava, vomitava violentamente contra a mulher. Queria o lugar de sua filha, o lugar no ônibus, o seu lugar. Ela, calada. O velho dizia as maiores barbaridades que já ouvira. Segurou a vontade de matá-lo ali na frente de todo mundo, até da mulher atingida. Ele desligou conscientemente o volume da peleja. Via o cinema-mudo. Uma mulher sendo violentada na frente de dezenas de pessoas. Ninguém levantara a voz contra o agressor. Esperou ali na porta do ônibus. Esperou o momento exato para sacar o velho do veículo. Numa parada de semáforo, aproveitou a porta aberta esquecida pelo motorista e agarrou o velho, arrastando-o para fora. Não olhou para trás, mas imaginou que todos olharam para a cena assustados. O movimento foi rápido. Ele era bom no tranco. O ônibus partiu e não deixou testemunhas. Ele olhou nos olhos do velho maníaco. O olhar frio atingiu em cheio o idoso, o cavalo, o bruto. Gelou a figura de medo. Ele levantou a mão. O velho fechou os olhos. Quando tomou coragem para abri-los. O nosso homem não estava mais lá. Ficou a lição. Da próxima vez não tem vez. É a morte.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Um monte de merda

Não eram fezes. Eram pessoas. Figuras. As mais abomináveis. Suas línguas eram gravatas de seda. Ocupavam todos os meios de comunicação. Jornal, revista, rádio, televisão. Uma bosta. Gente como a gente não fica daquele jeito quando ganha uma eleição. Gente como a gente não gosta de puxar, de carregar saco. Gente como a gente pode votar errado uma vez. Uma só. Se votar duas vezes errado é porque está se tornando uma merda também. Eu fico aqui relembrando os meus candidatos. Eu confesso. Votei errado uma vez. Foi o meu começo. Influenciado pela figura paterna. Ele nem me instruiu a fazer isso. Eu fui apenas pela impressão. Figura conservadora. Depois, corri atrás da história dos candidatos em que depositaria minha confiança ao depositar meu voto na urna. Apenas recentemente votei em mulher. Mulher de verdade, não essas primeiras-damas herdeiras de sobrenomes políticos. Eu evito pisar em merda, mas, às vezes, a gente encontra uma pela frente.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O espelho quebrado

Era velho. Muito aço. Uma figura invisível em frente ao espelho. Também velho. Pouco aço. Muito magro. Acordou cedo. Não tinha o que fazer. A barba ali. Os olhos. As lentes. Uma interrogação. Queria gritar. Queria correr. Estava cansado. Fugir não queria mais. Olhou nos olhos da imagem. Fingiu sorrir. Não aguentou a falsidade. Chorou. Saiu do banheiro. Cansado. Parou. Girou o corpo e olhou novamente para ele. Correu. Acordou horas depois. O sangue já estava duro. Camadas vermelhas na pele. No chão. Levantou apoiando-se na pia. Olhou para o espelho. Ele não estava lá.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Luta Suja (ou O Sorriso dos Pelegos)

16 dias foi o que durou a greve. Na assembleia, os representantes dos grevistas confraternizavam com os pelegos. Uma assembleia ilegítima. Juntos no início da greve. Separados pela orientação do Comando Nacional no fim. Poderia ser um recomeço. Os golpes foram dados e os bancários foram destruídos aos poucos. No fim, apenas os servidores da Caixa. Novamente, sozinhos, permanecem em greve. Na assembleia do BB, pelegos sorridentes já sabem qual o resultado. Alguns derrotados - a maioria silenciosa - começam a sair antes do fim do espetáculo, trágico espetáculo. Uma categoria que foi chamada para luta, de repente, olha para o "corner" e não vê seus preparadores, seu "staff". Olha para o canto oposto e enxerga o óbvio. Luta sozinha. Luta desnorteada. Sua estratégia foi tomada pelo adversário. Quantos "rounds" vai durar a luta? Foram 15 "rounds" vencedores para ir a "knockout" no 16º "round". Alguns choram com a derrota. Outros se comprazem com a vitória. Luta suja.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Sonâmbulo

Sonâmbulo não passa fome. Come as horas mal dormidas. Senta em frente à televisão. Folheia um livro, uma revista. Liga o computador. Assalta a geladeira. Dorme de barriga cheia. Engorda. Acorda desgraçadamente à tarde, ou quase isso, e se debate assustado por causa da hora, do trabalho. Acalma-se porque lembra que está em greve. Fica triste porque perdeu novamente metade do dia. Pensa. Amanhã. Amanhã, não. Hoje. O que vou fazer? Preciso consertar isso. Onde consertam relógio biológico? Onde o Ailton foi comprar bateria para o alarme do carro? Não sei. Vou ligar para ele. Não sei o número. Quem sabe ele vai amanhã à assembleia dos bancários. Vou perguntar para ele. Depois de dormirrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ele morreu meio torto

Largado no asfalto. Era ele, meio torto, meio em partes, incompleto, diriam. Eu o vi lá atrás, costurando o tráfego, meio ébrio, meio ligeiro. Avançou um ou dois sinais. Colou na traseira do ônibus da frente e sumiu quando viu uma brecha à direita. Pela direita é errado. Acho que não aprendeu. O caminho correto é pela esquerda. Comecei a ler poesia nas obras da Antônio Carlos. O sistema lá tá um caos, mas o que surgiu de poesia nas paredes tá valendo a pena. Na Lagoinha, na altura do IAPI, minha mulher reparou, surgiram muitos mendigos de repente. Será que estavam debaixo do EPA? Cavaram tanto lá que tem dois níveis abaixo da avenida antiga. Então. Foi-se. O motoboy não chegou nem ao Complexo. Ele tocou um carro na lateral o suficiente para desequilibrar. Um ônibus, um fiat e um caminhão de obra fizeram o resto do serviço para o IML. Carne moída. Meio que morreu de estupidez. Podia ter seguido pela esquerda e parado de costurar o trânsito. Afinal, ele era motoboy ou costureira?

domingo, 4 de outubro de 2009

Ruído Noturno

Abafado. O ruído noturno, o ranger da cama no andar superior. O desligar. Televisão quase muda na madrugada faz muito barulho. De dia esse som não é nada. De madrugada a coisa muda de figura. É barulho, simplesmente. Subi os degraus de carpete. Silencioso. Liguei a máquina para escrever um poema. Não saía nada. Nem um conto. Eu troquei a olivetti pelo computador há muito tempo. Hoje, escreve e apago num piscar de olhos. Não tenho memórias no papel. Apenas no HD, coração duro da máquina. Expus um pouco na rede, mas o grosso está em minha cachola. Projetos não iniciados formalmente. Imagens, muitas. O ruído noturno aumenta. Uma fábrica distante inicia o turno à meia-noite. São quilômetros de distância. Se não durmo antes da meia-noite, só depois das três é que vou deitar. Aí só acordo à tarde. Metade do dia perdido. Mas a madrugada foi produtiva. Produzi imagens que guardei na cabeça, meu HD. Quem sabe um dia coloco tudo no papel. Haverá árvores suficientes?

sábado, 3 de outubro de 2009

O labirinto do mercado

Um labirinto ou um boteco? Eu vi um mercado de flores e essências. Eu vi outro mercado de gente e muito álcool. Gritos de torcidas rivais em convívio pacífico. Uma hora era Cruzeiro, outra era Atlético. Mais Atlético que Cruzeiro. Se estivesse no alto da serra talvez a platéia azul-e-branco fosse maior. Os artesanatos mineiros são um barato, seja com que matéria-prima for: madeira, metal e até frutas e leite. Eu me perdi algumas vezes pelos corredores. Não gosto de lugar fechado e cheio de gente, mas no mercado haviam corredores abarrotados de gente e alguns até vazios. A movimentação por esses corredores uma hora cheios outra hora vazios foi o que permitiu que não surtasse ali mesmo. Ah, Belo Horizonte, essa geografia sua também confunde. Uma hora estamos no nível da rua, noutra hora estamos alguns degraus acima.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O Rio continua lindo?

Não me negue a beleza de sua geografia
Não me negue o benefício da dúvida
O Rio continua lindo?
O Rio continua indo?
Os cartolas sorriem mais dentes que a população
Esperando o resultado, a aprovação
Cidade olímpica, com vários problemas
Cidade olímpica, com várias soluções
O Rio continua lindo?
O Rio continua indo?
Quanto mais vai atrás de aprovação
Mais distante fica da população

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Suando frio no coletivo

O coletivo iniciou a jornada na hora errada. O caminho estava livre até as comportas da Antônio Carlos. Obras. Estão alargando a calha da rua, sua bitola. O transporte coletivo me faz suar frio às vezes. Olhando outras naus passarem ao lado, individuais, cortando caminho, furando o bloqueio da sinalização rubra, cor de sangue, eu suo frio. Vontade de descer e furar todos os pneus daquelas canoas que impedem a passagem de minha embarcação, maior. Não desço. Vejo que outras embarcações grandes se amontoam na rota interna do canal de asfalto. Assim o trabalhador segue seu rumo torto e lento por entre rios do sudeste brasileiro. Mais perigosos que os rios de piranha do norte. Mais perigosos que o pantanal brasileiro. Não sei o paraguaio. Eu suo. Já tentei ler um pouco, ficção, relatos, biografias. Cansei. A rotina diária do trabalhador, a estafa. Estofadas estão as poltronas nas canoas. Nos coletivos são placas de plástico ou almofadas carcomidas. Já entrei em ônibus com cheiro de mijo. Aí eu me pergunto: - Porra! Caralho! Essa cangalha joga o mundo pela janela! Por que não mija também fora dessa bacia?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Eu minto

Flamingo. Eu minto. Omito. El mito. Traduzido. Eu esqueço. Eu forço. A memória? É. HD. Mole, nada. É dura. Eu minto. Omito. El mito. Esperanto. Eu digo. Reforço. A memória? Não. Temporária. Apagada. Reduzo. Eu acho. Talvez. Não sei. Eu minto. Omito. El mito. O quê? Eu surto. Eu surdo. Eu mudo. Vou a pé para o trabalho e digito tantas coisas inúteis que esqueço o sagrado. O safado. O tratado de vida ociosa que redigi outro dia durante a sesta. Era sexta. Eu minto. Omito. El mito. Cadê? Eu sei. Vergonha na cara dos outros é troféu. No oriente longe há véu. Céu. Créu. Beleléu. E a casa do caralho? Eu minto. Omito. El mito. Fim.

domingo, 27 de setembro de 2009

Um morto não diz nada

Ele foi feliz. Enquanto roubava velhinhos, velhaco. Um dia apareceu um da reserva. Não entendeu. Na linguagem do futebol o da reserva era sempre mais perna-de-pau que o titular. Afinado. Era o cano gelado do revólver. Uma bala no bucho em sentido vertical até atingir as têmporas. Não deu. Vazou na vértebra cervical. Aqui jaz um bandido. O velhinho fez a feira. Sacou todo o dinheiro do defunto. Tinha dinheiro até nos sapatos. Uma navalha no bolso. O resto era só conversa. Lábia. Não deu. O velho era militar aposentado.

Mouco

Ruído. Guitarra. Pedal. Surdo. Mouco. Falante. Reverbera cada instante. Sobe e desce morro. Quase morto. Quase morro. Ladeira. Talvez. Eu vejo a luz no fim do túnel. Ela retorna através de espelhos. Carros. Farol. Paiol. Estrondo. Bateria. Baixo. Baixa. Atarracada. Agarrada. O som. O ruído. O eco. Eu toco a parede. O som descasca no tato. Rock. And. Roll. Eu desligo o MP3. Descarrego outras músicas. Surdo outra vez, mas não a última.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Quebrando pedra na penitenciária

Roubou, matou e estuprou. Foi quebrar pedra no presídio. Surpreso, questionou. Isso não se faz. Não se fazia. Agora, é desse jeito. Outra coisa. Quebrar pedra é só de manhã. À tarde o trabalho é outro. Vai capinar a beira da estrada, pintar meio-fio e limpar lote baldio. Antes você roubava, matava e estuprava e ficava por isso mesmo. Aparecia com bom comportamento pós-julgamento para sair com 1/6 da pena. Coçava o dia todo. Recebia visita íntima. O diabo a quatro. Hoje, não. Vai trabalhar. E só sai se trabalhar muito. Se matou, a coisa é pior. Vai ficar a vida na prisão. Tirou a vida de uma pessoa, e não foi em legítima defesa, vai passar o resto da vida na cadeia, trabalhando. Desviou dinheiro do INSS, da Secretaria de Saúde, das obras públicas? Vai trabalhar na prisão até todo o dinheiro desviado retornar aos cofres públicos. Vai demorar? Quem mandou roubar do povo? Vida fácil é roubar? Pois vida difícil é trabalhar. É a lei da compensação. Estuprou? Vai passar o resto da vida recluso, numa solitária, costurando bola de futebol. Estuprador, dizem, não tem correção. Se não tem correção, não permitimos que retorne à sociedade para cometer o delito outra vez. Impunidade é uma coisa que a população não deveria deixar barato. Tem juiz que manda soltar quando existem provas cabais do crime. Então, coloca ele, o juiz, no lugar do outro. Funciona assim. Você confia tanto no sujeito que libertou, que ele te pagou propina para ficar no lugar dele. Prisão remunerada.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A saga não terminou...

Um boato se espalhou no centro de BH e Contagem. Dizem que o matador está morto. O autor seria um menor, filho de um defunto.The end? No way. O matador hiberna em pleno verão na Cidade Nova. Os malandros não perdem por esperar. Um 38 em mãos ágeis não permitirão a propagação de tal calúnia. Ele se esconde na sombra da noite. Conhece o rumo do vento. Ainda vai dedicar muitas lápides.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O troco do mendigo

Na esquina da Tamoios com a Curitiba, o mendigo esperava o seu antagonista. O canivete enferrujado mantido em mão guardada no bolso. Aberto. Um golpe rápido. Perfuração lenta. Pensava retorcer o instrumento na barriga do estranho que pilhou suas riquezas na rua de cima. Aguardou na esquina. Sabia o horário. Estava no local certo. De longe, o opositor viu a bolsa encardida balançando na porta da pastelaria. Seria o dia do troco, pensou. Eu vou à forra. Olhou de beirada para ver se ele vinha. Antes que piscasse, um movimento brusco rebentou sua perna. Uma mão fechou-lhe a boca. O algoz encenou um reencontro de amigos enquanto o golpe entrou no alto do quadril e desceu quase até o joelho. Além de ladrão, é burro. Da próxima vez que armar tocaia troca a roupa e esse saco. Eu vi essa porcaria de longe. Agora, bico fechado. Quando eu tirar essa lâmina da tua perna, tu vais caminhar até esquecer essa pendência entre nós. Manco, agora é que tu vais tirar um bom troco dos idiotas. Dá mais realidade à tua vida miserável.

sábado, 12 de setembro de 2009

Ladrão rubro-negro

Saindo do boteco do Japonês, em luto, fui abordado por um sujeito. Ladrão sente o cheiro de outro ladrão. Ele queria a féria que surrupiei do falecido. Trajava uma camisa rubro-negra. Vinha de bicicleta. Usava agasalho no calor. Eu já sou macaco velho. Essa história de mão apontada por dentro do bolso de agasalho eu aplicava na região norte quando menino. Ele veio deslizando na minha direção. Eu subia e descia o meio-fio fingindo não saber da abordagem. No que ele engatilhou o dedo, eu me virei e mandei duas no peito e uma na cabeça. Se tem uma coisa que não admito é que venham me roubar em plena véspera de Corpus Christ. Peguei a bicicleta do infeliz e saí pedalando. Presente pro meu filho.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Um sonho distante da capital

Eu sonhei que morava no mato. Havia um riachozinho e muitas árvores. Eu sonhei que não precisa de máquina para me locomover, me comunicar, me satisfazer. Eu contava pedras no caminho. Pedras pequenas e grandes. Construía uma história diferente da escrita na capital. Longe da fumaça e do barulho industrial, eu sentia melhor a brisa no rosto. Eu colhia o que plantava. Eu comia o que colhia. Diferente da capital. Eu gostaria de ver a paisagem sem olhar no relógio. Eu gostaria de sentar à sombra de uma árvore. Na capital há muitas árvores, mas não tão frondosas e silenciosas como no interior. Eu tenho um sonho que de vez em quando volta para me assombrar. Um dia a capital será o meu pesadelo. Os ruídos da cidade que não para entrarão em minha cabeça quando recostá-la ao travesseiro. Não estarei mais na capital. Estarei distante, mas tão perto, que um zunido de abelha parecerá de um caminhão de entulho.

domingo, 6 de setembro de 2009

As pedras de gelo se recusam cair

Estava previsto: pedras de gelo cairiam este final de semana. Granizo. Não me digam granito. Meu ouvido não é penico. Nos carros muitas colchas e papelão. Proteção. O calor, o feriado. Tudo conspira para dar errado. Eu fico na janela esperando as primeiras pedras caírem. Programei meu descanso para ver as pedrinhas destruírem algumas vidraças, alguns para-brisas, alguns passarinhos que teimam em defecar no para-peito, mas as pedras de gelo se recusam cair.

sábado, 5 de setembro de 2009

.38

Com a grana da última apropriação resolvi comprar outra arma. Sugestão do Japonês. Parceiro de hospício, ele também aplica uns golpes. Antes dele viajar para o Corpus Christ, eu fui até o boteco dele bebericar um pouco. Cheguei com a arma na cintura. Realmente, como ele mesmo disse, o trabuco não faria tanto volume assim. Conversamos até o estabelecimento fechar. Escorei no balcão e derramei a arma na frente dele. Ficou ali olhando. O cara era tarado por armas, mulheres, carros etc. Ele quis tocar no ferro, mas eu peguei o 38 antes e apontei para ele. Sorriu, perdido. O tiro vazou o olho esquerdo. Saquei toda a grana do caixa e desci a porta de metal. Colei um aviso. "De luto."

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Esperando o troco

Eu tenho coração, mas o cara me pediu apenas um real. "Um real, senhor.", ele disse. Eu entreguei dez reais na mão dele e ele sorriu vazio - não tinha nenhum dente na boca - e agradeceu. Eu fiquei lá, parado na frente dele. Insistiu no agradecimento, com mais ênfase na palavra "Deus". Que esperava o meu troco foi o que falei. Espantado, ele me questionou com os olhos. Retruquei com os olhos também. Bufou. Eles sempre bufam quando são contrariados. Parecia que não tinha troco. De repente, abriu uma bolsa. Resumindo o conteúdo que eu consegui enxergar: 1) um celular (melhor que o meu); 2) um relógio digital japonês (eu tenho um analógico de 30 contos); 3) uma dentadura (não preciso explicar); e um maço de notas (de fora para dentro, notas de 50, 20, 10, 5 e 2 reais). Separou o dinheiro rapidamente, como um caixa de banco bem experiente. Em menos de cinco segundos tava eu parado em frente a um farsante com nove reais na mão. Puxei minha arma e falei: "Passa tudo pra cá!". É, eu tenho coração. E uma calibre .22 para o caso de encontrar um marginal no centro da cidade.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Telefone mudo

Esperou alguns minutos. Saiu de casa para encontrar um sinal. Retornou mais vermelho do que saiu. O telefone estava mudo. Afinal, para que pagava suas contas em dia, se não conseguir usar o telefone celular? Procurou a Ana. Garantiam que ela podia ajudá-lo. Não ajudou. Do outro lado da linha só ouvia embromação, a mesma que ele próprio já ouvira. Não davam muita trela para ela. Não demonstrava muita autoridade. Quando digo "Ana" me refiro à Anatel, aquela agência governamental, uma das tantas criadas no desgoverno daquele ex-presidente, um daqueles "fernandos" que desocupou o governo enquanto desgovernava o país. Ainda dizem que a telefonia melhorou. Não sei onde. Deve ser na África, com ajuda dos chineses. Estes vão dominar o mundo. De um jeito ou de outro. Estão exportando gente. Antigamente eu só via japoneses nas ruas. Hoje tem mais chinês no samba. Um fato interessante é que eles entram no Brasil e não falam uma palavra sequer. Eu vejo alguns no centro. Eles caminham de cabeça baixa. Nunca abordei nenhum. Talvez seja preconceito meu. Quem sabe eles falem melhor o português do que eu. Talvez sejam de Macau. Talvez possuam telefones celulares que funcionem. Eu, não. Continuo com meu telefone mudo, ouvindo a velha embromação da empresa de telefonia Oi, Telemar, Tele Norte Leste.

sábado, 29 de agosto de 2009

Era uma fenda

Morte natural? Tudo bem que não havia sangue, nem sinais de violência. Breno estava lá, "sentado" na velha poltrona do papai. O jornal nas mãos. Nenhum sinal de vida e, como disse anteriormente, nenhum sinal de violência. Estava lá, "lendo" o jornal. Paralisado. A televisão poderia estar ligada, mas era domingo. Nada de bom passa aos domingos na televisão. Estranho que a família tenha visitado o velho Breno num domingo. Ele não suportava a família. Afastou-se de tudo e de todos. Diziam-no "excêntrico". Agora, estava lá, imóvel, lendo um jornal do qual não era assinante. Fazia questão de sair pela manhã de casa e caminhar até a banca que ficava ao lado da padaria. Um neto curioso foi mexer no "corpo". Achou uma fenda atrás da cabeça do vovô. E ele disse "fenda". Ninguém sabia que o moleque falava, quanto mais que sabia o que era uma "fenda". Por incrível que pareça, a fenda, por mais que o nome suponha uma coisa violenta, foi cravada na cabeça do velho Breno de forma "limpa". Como se estivesse ali a vida toda. Não havia sangue nas beiradas. Até olharam pela sala para achar a "arma do crime", mas nada. Um genro, o que Breno menos gostava, supôs que o "assassino" tivesse levado consigo a "arma do crime". Resolveram chamar a polícia. No que tocaram as mãos no telefone para chamar os tiras ouviu-se um grunhido. Todos silenciaram para descobrir de onde vinha o som. No canto da sala, Breno levou as mãos ao canto da boca e limpou uma baba que começara a cair. Todos, espantados, começaram a falar ao mesmo tempo. Breno levantou os olhos, assustado, e perguntou o que faziam em sua casa. Era domingo. Não admitia a "família" em sua casa aos domingos. Breno levantou da poltrona e percebeu que algo estava errado em sua cabeça. Passou a mão na nuca e descobriu a fenda aberta. Olhou para os parentes e, sem cerimônia, fechou o zíper que possuía no local. A filha mais velha desmaiou ao ouvir o ruído do zíper. Os netos correram para o avô. O genro do qual ele menos gostava ficou imobilizado como estátua. Breno arrumou o cabelo grisalho da cabeça e caminhou lentamente até a porta da casa com os netos agarrados em suas pernas. Eles faziam festa. Com muita educação levantou a filha pelas mãos. Ela, atônita, não conseguia dizer nada. Olhos vidrados no pai. Breno conduziu-os para fora da casa. Quando não havia mais ninguém em sua sala, sussurrou: - "Voltem no sábado. Domingo não é dia para família."

sábado, 22 de agosto de 2009

O frio no estádio vazio

Não havia mais jogos naquele estádio do fim da rua. O clube da cidade não atraía multidões. Aliás, nunca atraiu. O fato é que quando eu era pequeno aquele era o palco de muitas alegrias. O time da casa, o mandante, mandava mesmo. Não perdia um jogo. Mesmo quando veio uma seleção de jogadores famosos. Não representavam o país, mas eram famosos. Jogavam por milhares de cruzeiros quando isso queria dizer alguma coisa. Jogavam de pé. Era muito raro ver um jogador se lançando com as travas da chuteira na posição horizontal. A televisão chegou e ninguém se precipitou até o fim da rua para ver novamente uma partida de futebol.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Ouvido Surdo

O barulho da metrópole não entra mais por estes ouvidos surdos. Um tampão, dois tampões. Não terminaram as obras nas avenidas largas da cidade. Um espaço curto muito longo entre a sanidade e a insanidade. Eu fiz um caminho diferente hoje. Evitei o metrô - alguém morreu, acho, e não fui eu -, evitei aquela outra via mais difícil. Peguei o caminho mais longo entre dois pontos - uma reta? - para cair na minha área - mano - e atravessar a porta de casa, hoje, iluminada. A síndica colocou lâmpadas novas nas garagens novas. Agora, a luz está debaixo do telhado - o lugar onde deveria estar -, não acima, como de costume, pós-obra - existe esse hífen? -, pós-barulheira infernal. Eu pago um dízimo muito caro para viver debaixo de um teto digno. Agora que atravessei o meu portal, retiro os tampões que ganhei do Virgílio, filósofo-control-cezista-cevista. Aliás, os vídeos que ele me deu - junto com os tampões - me seriam muito úteis, se os conseguisse inseri-los sob as pálpebras. Nem dos tampões eu sentiria falta. Rock'n Roll.

domingo, 16 de agosto de 2009

Bingo Eleitoral

11, 13, 15, 25, 45, 50, 65... com números como esses não tá difícil alguém gritar "bingo". Acho que o senhor sentado na última fila de cadeiras está prestes a gozar. Digo, bingar. Creio que todos os números fazem parte de sua cartela. Creio que ele ganhe quando todo mundo perder. Parece um mágico. Sobre sua mesa, uma cartola descansa. Juro que vi umas orelhas brancas de coelho saírem dela por alguns segundos. Eu estou alucinando, só pode. Ele possui um escudo na lapela, de alguma confederação, será de trabalhadores? será de empresários? Ah, sim, agora vejo melhor. Não é só um escudo, são vários, de várias agremiações. O típico eleitor cujo o voto tem peso de milhar, de milhão em eleição.

sábado, 15 de agosto de 2009

Contatos e Chaves

Um agente secreto não precisa de chaves. Os contatos, peões da vida real, são mais eficientes que chaves para entrar em corações e mentes. A informação e a contra-informação figuram diariamente em jornais e tevês como margarinas e manteigas, para todos os gostos.

sábado, 8 de agosto de 2009

Uma pedra no sapato

Não era algo saudável correr pela rua descalço em pleno verão. Não era algo higiênico pisar em poças amareladas ou no lixo esparramado em via pública por uma população cada vez mais consciente, ambientalmente falando, ironicamente escrevendo. Mas ele tinha um problema no sapato. Uma pedra que se recusava a abandonar o conforto do sapato ortopédico. Lançou-se em fuga, descalço mesmo, rumo ao trabalho. No meio do caminho percebeu que não era dia útil. Não precisava mais correr. Parou, respirou, sentou. Do meio-fio começou a pensar como chegara àquilo. Correr descalço numa cidade grande não é exemplo, nem divertido. Não sabia se era sábado ou domingo, mas sabia que não tinha que ir trabalhar. Já estava sufocado pelos intervalos de segunda a sexta. Trabalhava numa bolha das dez às dezenove. Cobrava e era cobrado. A família já não o aguentava. Estressado, dormia noite e dia. Cansado, no máximo, batucava o teclado em busca de uma fuga da realidade. Construindo períodos percebeu que nem ali conseguia fugir do real, do assustador mundo real. A pedra do começo desta história não estava em seu sapato. Estava em sua cabeça.

sábado, 1 de agosto de 2009

Ele comia revistas e jornais

Parou em frente à banca. Olhou, olhou, olhou. Nada achou. A barriga roncava, a barriga rosnava. Enfiou as mãos nos bolsos em busca de dinheiro: notas ou moedas. Não havia o suficiente para comprar uma revista, apenas para um jornal sensacionalista quase que gratuito. Três moedas foram o bastante. Já na capa viu que a publicação estava fresca. Não, não era tinta. Era sangue. Uma chacina estampada na capa. Ele, vampiro, saiu durante o dia para matar a sede. Sede de sangue, digo, de notícias. Saiu da banca com o exemplar nas mãos, desceu a rua e foi para casa. Sentou no sofá para degustar, digo, ler as notícias. Cada foto mais colorida que a outra. Com a vista cansada dormiu ali mesmo, embrulhado nos ossos que sobraram do jantar, digo, nos classificados sobre veículos.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Batida de Trem

Como uma bala penetrando a caixa craniana, trem lotado bateu no peito do trabalhador parado na trilha de pedestres olhando para a lua. Um frio de doer os ossos e o fio de cabelo do careca. Não era desatenção. Era o deslumbramento luminoso da lua. Talvez não estivesse na linha do metrô, nos trilhos, mas era algo parecido, algo como faixa de pedestres. Talvez não fosse um trem, fosse um ônibus lotado de passageiros, eternos viajantes cansados que perdem horas no trânsito se locomovendo de um lado para outro em troca de tostões. Não queira entrar num campo de batalha, pois Cruzeiro e Atlético é jogo para gente grande. Um tostão pode virar um pescoção e o piloto da maca pode levar uma eternidade para atravessar o gramado, como os passageiros no Complexo da Lagoinha. Aliás, com esse complexo, a Lagoinha tá longe de virar uma Lagoa Rodrigo de Freitas. Habitantes de Belo Horizonte, um dia essa cidade para - ah, que saudade do acento! - e quando parar não haverá um grão de asfalto da Velha Antônio Carlos para contar que ali onde esparramaram concreto era uma calçada esburacada onde tropeçamos um dia. Abriram um caminho mais largo para os carros, desenvolvendo novas formas de sofrimento, tal qual uma passarela em que desfilam os últimos modelos. Eu não sei mais o que dizer disso tudo. Ah, sei. Por opção, menos traumática, tomei um ônibus que trafega na Cristiano Machado. A grana encurtou no fim de mês e tive que optar novamente por outra via, o velho trem que é metrô apenas duas vezes entre o Vilarinho e o Eldorado. Debaixo da terra, esse trem seria um metrô, subte.

domingo, 21 de junho de 2009

Perdido entre livros

Não havia mais personagens no armário. Cheio de livros, apenas traças povoavam aquele mundo. Um em cima do outro, as letras percorriam páginas numeradas. Sem personagens. Elas, eles, todos haviam fugidos da fome de papel das minúsculas traças. Era um armário guarda-roupa utilizado para guardar livros. Guarda-livros. Biografias, ficção, ensaios. Ótimo alimento para as traças. Batendo o teclado do computador descobri entre-teclas um som que vinha do armário. Baixinho. Fui ver. Liguei a luz do quarto, abri a porta do armário e procurei. Havia parado. Não tinha som. Desliguei a luz da habitação, mas deixei a porta do armário aberta. Era um teste. Encontrei. Perdido entre livros, estava ele, o último personagem. Peguei-o em minhas mãos, aproximei-o da tela do computador para enxergá-lo melhor. Susto! Ele era eu.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Quando o saldo devedor sai do controle

Minha renda não me basta
Há um saldo devedor em minha frente
Eu controlo, mas não basta
Quisera conseguir não utilizá-lo

Quando volto os meus olhos
No vermelho, me assusto
Em desespero
Pero un día, yo lo creo

Sairei por cima do azul
Poupando suor e
Fios de cabelo

Eu só quero o meu dinheiro,
Nada mais
Mas os outros também o querem,
Muito mais.

sábado, 6 de junho de 2009

A fechadura do passado

Ele subiu a escada à procura do passado. Passos lentos nos degraus. Uma subida vertiginosa. Tentou o interruptor. Não havia luz. Caminhou na diagonal até encontrar um piso reto. Tacos encerados. Tirou os sapatos. Tocou a maçaneta do único cômodo do alto da casa. Fechado. Procurou a chave que guardara na memória de menino. Era fria. Inseriu na fechadura. Girou. Abriu a porta. O passado, realmente, não era algo para reviver. Fechou o cômodo e desceu a escada. Foi até a porta de entrada e saiu sem olhar para trás.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O Frio, Fio.

Mãe, tá frio.
Manta, fio.
Eu não aguento mais.
Eu sei.
Cobre o peito e dorme.
Não dá.
Eu sei.
Mãe, tá frio.
Manta, fio.

No dia seguinte, a tevê estampava os dois corpos congelados num barraco de periferia.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Foram tarde

Eles o acompanharam durante meses. Acobertando tudo. Um dia resolveu. Cortou todos. Os cabelos se foram tarde.

domingo, 10 de maio de 2009

Hambre de Vivir

Deitado. Olhar-janela vidrado nas coisas de fora. Movimento ausente. Vontade de viver. Imóvel, no entanto, parece o contrário. Ele pode se mover. Apenas não quer. O cerébro maquina valores e viagens. Não move um fio de cabelo. Nem para as necessidades fisiológicas. O lençol está limpo. Até quando?

sábado, 9 de maio de 2009

Pedras na Calçada

O caminho é longo. Viro à direita, depois à esquerda. Acho que a Esperança está longe. Não tenho grana para o taxi, para o metrô ou para o ônibus. Só a pé. Um dia eu chego lá. Enquanto isso vou contando as pedras da calçada. Estreita calçada com guia de cego e muitos entulhos, humanos e não-humanos. Queria não ter de desviar de outro corpo, apenas trespassá-lo. O esbarrão, às vezes, é bom, mostra que a gente tá vivo, mas tem horas que um esbarrão dói, machuca, e a gente tem que pedir desculpa. Eu não gosto de pedir desculpa. Eu não tenho culpa. Eu caminho num caminho que é meu, que não é de mais ninguém. Se eu for pedir desculpas sempre que esbarrar em outro corpo, não chegarei nunca no meu objetivo. Eu comecei a divagar sobre o que não queria. Tenho apenas que caminhar um pouco mais para chegar lá, onde o mundo não é torto, onde as calçadas são largas, onde os carros param quando damos sinal de vida. Alguns dizem que esse lugar é Brasília, eu chamo de Utopia.

terça-feira, 5 de maio de 2009

O mistério do teclado

A não era bem um A. Tava mais para B, um nível mais baixo que as outras letras. E tava agarrada, bem fundo no teclado encardido de 2005. Eu não quero comprar outro teclado feito na Ásia por menores de idade que recebem menos centavos do que o total de letras do meu teclado. 111 centavos. 1,11 reais, dólares, euros... ienes, não. Eu tinha uma Olivetti, máquina de escrever, que eu limpava os tipos de tanto batucá-la. Era pesado escrever em máquina. Você não podia errar. Fazia matemática para formatar uma página, as margens. Contava o número de caracteres. Eu fiz curso de datilografia no Senac. Nem sou tão velho assim. Fiz na década de 1990. Não lembro exatamente que ano, mas se procurar na papelada acho o diploma. No fundo da sala haviam computadores. Como eu não tinha computador naquela época, apenas máquina de escrever, uma Remington do meu pai, mais pesada que a Olivetti, eu optei pelo curso de datilografia. Foi legal. Depois, descobri que seria útil. Fui bolsista e monitor na Rádio Universitária de Goiânia e, no começo da minha temporada lá, era máquina de escrever e muito papel carbono para preencher em caixa alta as laudas dos programas. Vou pesquisar onde reciclam teclados. Esse negócio de descartar as coisas no lixo comum é perigoso.

sábado, 2 de maio de 2009

Dormência / O Morto

Sobre o braço dormi à noite
Não tinha espaço
O cadáver ao lado não se mexia
Olhos noturnos olhei
Não era ele
Ou ele era
Ele era eu
O cadáver era eu
Morto incubado no colchão
O dia não amanheceu
Pois a persianas estavam fechadas
Se não vejo luz, não acordo
Se não acordo, não vivo
Era mesmo um cadáver
Dormentes
O braço e o cabelo
Quando morto, o cabelo cresce
O meu já estava grande
Dormindo de mal jeito
Ele torceu
E o couro cabeludo doeu
Apenas à tarde
Quando o morto já estava bem vivo
Na frente do computador declarando:
"Eu não morri".

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Grisalhos Tarados

Coloquei um detector de movimento neste blog há algum tempo. Hoje entrei na sala de segurança para ver o que achava. Um paulista procurava grisalhos tarados pelo Google. Eu não sei se encontrou, mas aqui ele passou. Tentei mudar os meus Grisalhos, porém não custa nada aguardar. A tara de um e outro um dia há de passar.

Cubo de gelo gelando na janela

Persiana fechadas. Gruta escura. Um urso hiberna. A geladeira congela. O frio amansa o sentimento. O cobertor aquece o corpo-pedra que dorme sem hora para acordar. A escova está na pia. Nenhum dente para escovar. O lixeiro não passou. As sacolas na área de serviço exalam o cheiro do estragado, dos restos de ontem. A comida sobre o fogão não foi posta na geladeira. Conserva-se assim no frio ambiente. Os olhos do urso abriram de manhã, no escuro é como se não tivesse aberto. O ouvido contava os tremores dos ônibus lá fora. Estavam no horário? Quem se importa? É feriado.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Questão de Ordem

A fila do metrô formigava os olhos. Escadas rolantes. A escuridão remediada por lâmpadas. O trilho. O trem. As portas se abrem. As pessoas entram. Um ordem torta. Primeiro os jovens, depois os velhos. Os jovens sentam, os velhos em pé. A viagem segue. As portas se abrem. Mais formigas entram. O trem abarrota. Os tarados bolinam. As mulheres suspiram. O trabalhador chora. Alguém grita. O tarado é linchado. No trilho um rastro de sangue denuncia o trajeto incomum da libido doentia.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Datilofotografia no Escuro Iluminado

Sem flashes. A imagem do herói hesitante surgiu no João Ceschiat. Noite de quarta-feira. Um chacal estava solto no palco. Ele estava morto? Difícil. Suas palavras estavam mais vivas do que nunca naquela boca, naquele olhar. Danislau também. Muito vivo. Dando entrevista. Dando um show. Aquela dança no vídeo. Aquela entrevista muda de John Lennon. Aquele sotaque. Poesia. A gente precisa de poesia. Não hesitei em ler aquela autobiografia no 5031. Quando a Suzana caiu no Sebastião de Brito, ainda me faltavam algumas páginas. Alguns fragmentos foram degustados mais de uma vez, por isso não dei cabo do livro antes de bater na minha rua. Gostaria de amanhã apreciar as Porcas Borboletas voarem em BH, mas tenho trabalho no dia seguinte. Vou bater asas para Brasília, onde represento meus colegas de labuta. Enquanto isso, ainda ouço os sons de datilofotografias captando as almas daqueles seres imaginários, imaginosos: o poeta Chacal e o ser Danislau Também.

terça-feira, 21 de abril de 2009

O frio que passou por baixo da porta

Era noite. Não havia uma alma viva na rua. O rádio, silencioso, cantava músicas repetidas. Programação para boi dormir. Um burburinho começou a entrar por baixo da porta. A temperatura baixou de repente. Abriram-se janelas para ver o sucedido. Cavalos de ferro caminhavam em carreata. Foguetes clareavam o céu. Panelas eram batidas. O povo estava na rua. Outro povo estava nas casas. Uma mulher era carregada nos braços de populares engomados trajando ternos negros. Ela estava de branco. Não era noiva. Já era mulher casada. O marido coordenava os seguranças por meio de radiocomunicadores. Parecia um balé, se não fosse a música ruim que começara a tocar repetindo o nome da mulher. O espetáculo durou até a madrugada. No dia seguinte, na televisão da padaria, a imagem de um velho repercutiu entre poucos. Os cabelos brancos foram substituídos pelo vestido branco. Outra imagem marcante apareceu na televisão logo em seguida. Ao lado da mulher de branco outro velho sorria. Sabia que era um velho por causa de outros carnavais. Naquele momento não poderia ser chamado de velho. Os cabelos eram muito negros assim como o bigode que lhe manchava a cara. Marca registrada. Satisfaziam-se os dois com a pobreza daqueles povos. Dos que saíram à rua e dos que mantiveram-se em casa na noite anterior.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A viagem de volta não custa nem um real

Subiu na vida. Sem escrúpulos. Roubou, matou, estuprou. Tudo que seus pais não lhe ensinaram ele fez. Criou novos crimes, novas formas de cometer crimes. Adaptou-se ao novo meio em que entrou pela porta da frente. Milhares de votos o colocaram nos altos das escadas das democracia representativa. Fez-se um novo homem com velhas práticas, porém recriadas de forma a fazer crescer o bolo. Verbas e mais verbas foram necessárias para alimentar o bolo, fazê-lo crescer. Cometeu um erro. Colocou a mão na cumbuca de outro, seu par. A queda foi rápida. A viagem de volta não custou nem um real. Custou milhares, assim como os votos que recebeu na última eleição.

sábado, 18 de abril de 2009

Cruzado não é real

Um cruzado se foi décadas atrás um real. Perdido, contrariado. Ele não viu um centavo. Bandido levou. Ele urrou. Quando se perde uma vez, espera-se um bom resultado outra vez. Compensação não há em aposta cega. Seja na runa, seja na selva.

Co & Cia

Mente
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Entrementes
Entre
Ausente
Complacente
De mente
Demente
De menta

Ementa

Eu fujo
Tu corres
Ele se perde
Não me vale
Um quinhão
Político sem
Um culhão.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Tô Cheio!

Eu canso de dizer
Canso de falar
Penso numa saída
Sem contrariar
O que sinto de verdade
O que vejo na realidade

Mas, um dia, eu serei
Mais livre do que sou
Não sei, hoje, o que fazer
Mas sei bem pra onde vou
Contar uma anedota
Inventar uma lorota

Esvaziar minha cabeça
E ser feliz sem enxaqueca.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Cansado de lamentar

Foi à loja de armas. Comprou uma arma e duas balas. No estabelecimento ao lado comprou um terço. No supermercado da esquina, uma garrafinha de vodca com limão. Invadiu a sala de um sujeito gordo, careca e torcedor do Ferroviário. Jogou o terço para o infeliz, mandou ele rezar e cravou duas balas na cabeça do maldito. Voltou à loja de armas para perguntar quanto valia a arma usada. Vendeu e saiu. Pensou. Deu meia-volta. Não largava o hábito das promoções escritas a duas salas do atentado, onde realizava campanhas publicitárias de baixo custo, mas de forte apelo. Sugeriu ao dono da loja de armas: "Kit para matar ex-chefe. Uma arma e duas balas. Para o caso do infeliz não morrer de primeira." Bebericou a vodca de um gole só e atravessou a rua.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Uma cruz na estrada

Eu vi. Juro que vi. Uma cruz na estrada. Logo ali. Volta o carro! O retorno imprudente plantou mais duas cruzes na estrada em pleno feriado da Cruz.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ah, se todo dia fosse véspera de feriado!

Você deve estar pensando que eu sou louco. "Melhor, mesmo, é que todo dia fosse feriado!" É que eu tava pensando nisso hoje, ao transitar pela cidade dentro de um coletivo motorizado. 20 minutos até o centro?!?! Só em véspera de feriado. Nem no sábado passado eu consegui uma proeza dessas. Foram 35 minutos em "inútil". No corredor da Antônio Carlos, próximo ao Hospital Belo Horizonte, onde o cheiro de urina das obras no esgoto virou referência de cego - a outra referência de cego eu falo mais pra frente -, os coletivos andaram tranquilamente, sem o alvoroço dos carros-que-transportam-uma-pessoa-apenas. Só deu tempo de ler uma matéria sobre maconha, três colunas de opinião e ver algumas propagandas na revista. Tá bom. Você quer saber qual a outra referência de cego em Belo Horizonte, né? É o ponto de ônibus em frente à faculdade de engenharia da UFMG na Espiríto Santo. Pronto. Falei. Você fecha os olhos. Quando o ônibus passar por esse ponto, prepare-se, a sensação é única: parece que a gente tá dentro de uma privada esperando que alguém dê descarga.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Um refúgio

No meio de livros e traças, ele se refugiou da chuva. Sentou num canto da loja, leu, leu e adormeceu.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O caminho mais curto

Já diziam em Goiânia: o caminho mais curto para o céu é subir no Pathernon, na Rua 4. A trilha sonora dos suicidas: tente outra vez. Eu nunca vi um pássaro sem asas voar. Gostaria de acompanhar aqueles segundos que separam uma pessoa do concreto de uma calçada. Talvez, por isso, eu vivesse por ali, na poeira de sebos ouvindo música e lendo trechos de livros de graça. Sempre que me enfurnava num daqueles becos do saber, tinha a impressão de que a minha vida seria curta. Não usava máscaras como as do Ladislau, funcionário da biblioteca da FACOMB. Meu pulmão deve ter, além de ácaros, muitas letrinhas roídas por traças.

domingo, 5 de abril de 2009

Detonando a bicicleta velha

Morrinho. Já viu? Quem andou de BMX conhece muito bem. No N5 de Carajás (PA), havia uma pista de bicicross no fundo do clube Serra Norte. Ali peguei uns tombos quando a traseira da bicicleta insistia em se manter no ar. Não conhecia manobra nenhuma de bicicross - até hoje não conheço -, mas me divertia um bocado no barro da pista em dia seco. Em dia de chuva, nem me atrevia a escorregar pelas rampas e morrinhos. Mas por que comecei este texto com a palavra morrinho? Simples. Sempre que via um morrinho na minha infância eu puxava a bicicleta velha para o ar no primeiro instante em que o pneu dianteiro tocava o início do morrinho. Tava ali a minha manobra - única - sendo exaltada com ares de profissional. É como se houvesse uma plataforma invisível acima do chão. Eu andava por alguns segundos nessa plataforma. Hoje, quando vejo skatistas andando em plataformas invisíveis, sinto saudade daquele tempo. Depois da primeira infância em Carajás, experimentei a segunda infância em Castanhal, também no Pará. Ali aprendi a andar em apenas uma roda. Um dos meus sonhos mais recorrentes de noites adultas é achar que estou percorrendo vários quarteirões desse modo. A bicicleta velha ficou no passado.

sábado, 4 de abril de 2009

Oi, Rio!

Quando rio
Transbordo de alegria
Ou
Transbordo de alegria
Quando rio

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Sol P&B

Sol que bate nos olhos
Preto e branco é o sol
Que não arde na pele
Que faz cerimônia
Ao entrar pela janela

Sol que rói a corda do enforcado
Preto e branco é o sol
Que não reflete no espelho
Que faz cerimônia
Ao entrar pela janela

O sol que bate na porta da gente
É luminoso mesmo no escuro

O sol que se esconde da noite
Brinca com a lua

Dia sim, dia não.

terça-feira, 31 de março de 2009

Gota de Chuva na Janela

O céu desabou na minha cabeça. Estaquei ao ver o meu sinal verde para que os carros passassem, afinal são feitos de açúcar e eu posso me molhar à vontade. Até gosto. Aquela roupa limpa, passada, o sapato engraxado, sem guarda-chuva. O que fazer, senão deixar os motoristas passarem, fechando o cruzamento, parando em cima da faixa. Cada-um-por-si-deus-por-todos. Esperei o ônibus em São Paulo, ele desceu o Amazonas e transitou lentamente pelo Espírito Santo. Amém. Foi quando vi uma gota de chuva na janela. Não era um ônibus, era uma sauna. Óculos embaçados. Um lugar no canto do ônibus, bem atrás. A chuva atravessava o vão da janela aberta. O que não caiu em minhas lentes caiu na janela. Uma pequena gota de chuva.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Pretendo

Um dia
Pretendo provar
Que te amo
Mais do que pensas

Um dia
Pretendo provar
Que te amo
Mais do que sentes

De mim
Um gesto
Pode esperar
Uma ação
Procurar
Um amor
Maior
Te amar

Não te esqueças
Que o amor
Grandioso
Advém de
Pequenas coisas
Que marcam
Mais
Por muito tempo.

domingo, 29 de março de 2009

A tua paga

O suor do teu trabalho. A tua paga. Não condicionas o senão. Trabalhas horas, dias e descansas. Não faças daquilo a tua vida. Vida dupla. Saibas que o viver excede em prazer a lida do desprazer. Eu te pago o que me deves. Tu me deves o que me paga. Nada mais. O excedente dividiremos em prestações eternas de descanso pago.

Telefone Mudo

O telefone toca. Eu fico mudo, mas não mudo a expressão. Há cobranças do outro lado da linha. Eu paguei o pão que o diabo amassou. Espero o troco. Ele não vem. Eu digito os números. Estou bloqueado. Eu gravo conversas. Eu pago contas. Eu explico. Eu converso. Eu tenho paciência. Eu repito. Eu grito. Eu anoto. Eu perco a paciência. Eu choro. Eu anoto um protocolo. Eu sou um protocolo. Eu pergunto o que fizeram com o meu protocolo. Meu protocolo não existe. Eu não existo. 23 dias de bloqueio. Eu mudo de telefone? Telefone mudo.

domingo, 22 de março de 2009

Oco Ócio Criativo

Ócio. Ocioso.
Ânsia. Ansioso.
Canção. Maciota.
Eu vou. Não volto.
Retorno. Alguém.
Você. Não sei.
Oco. Cheio de nada.
Nada que mergulhe.
Um suspiro preso.
Em garganta aberta.
Sangue.
Tipo O.
De Oco.

sábado, 14 de março de 2009

Do beleléu à casa-do-caralho

Espreito essas expressões no intuito de descobrir para onde mando algumas coisas ruins. Sei que, de repente, não mais que de repente, alguma coisa boa vai para o beleléu. E que, não gostando, mando-a para a casa-do-caralho. Beleléu, por exemplo, poderia ser algo como a versão "censura livre" da casa-do-caralho, mas acabou representando um túmulo infantil de coisas esquecidas, tanto que virou assunto de vários livros infanto-juvenis. Ignoro a localização dos dois. Quando descobrir, volto aqui e deixo um mapa.

sábado, 7 de março de 2009

Gotas de granizo

Você sai do metrô mas o tempo está escuro como no túnel. Gotas dispersas, volumosas, caem sobre os ombros. Parecem pedras, pedras líquidas de granizo. O gelo dói e molha onde lhe acerta. A cabeça, protegida, guia para longe da estação chuvosa. O caminho é curto, mas as gotas lhe fazem perceber que o quanto antes não existe. O corpo já está molhado, os cansados de caminhar, a mente fechada para novas experiências. Você só quer chegar. Chuva em BH trás uma celeuma. É um acontecimento especial para cada um daqueles que moram perto ou longe, na região centro-sul ou na Pampulha. Gotas de granizo não cabem em copos de vidro. Se levantar a cabeça o mínimo que for, perderá um dente, quem sabe dois.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Ouvindo funk no metrô

Parado estava eu de pé no vagão de sempre quando surgiu uma brecha e um assento. Ouvia no meu tocador de músicas uma estação que não era de metrô, Estación México, de Manu Chao. ¡Carajo! Um sujeito começou a tocar um funk atrás do outro no meu lado. - Aí, bicho! Tu não tem fone de ouvido? Pra quê? Ouvi expressões racistas do tipo: "Seu branco filho da puta", "Eu não gosto de branco", "Vai tomar no cu, seu branquelo". Ah, o cara que ouvia essas modas sobre roubo de carro, violência, era negro. Não tinha nada a ver com cor, etnia ou o diabo às quedas. Tinha a ver com a porcaria do funk tocado em modo alto-falante tão alto que nos meus fones não ouvia Clandestino, nem Desaparecido, nem La Vida Tómbola. Cara, eu me estresso, mas me divirto nesses embates discutindo individualidade e coletividade, particular e público. Minha esposa conhece até minha expressão facial quando algo me desagrada e começo a sugerir mudanças no ordenamento de pessoas dentro de ônibus. O Jornal do Ônibus, em edição antiga, já havia sugerido que os usuários facilitem o acesso das pessoas nos veículos ocupando primeiramente o salão traseiro. Imagine se eu começo a fiscalizar o uso dos assentos reservados a idosos, deficientes e gestantes. Que problema que eu teria!

domingo, 1 de março de 2009

Botei um bloco na minha rua. De concreto. No carnaval não passa folião, nem trio elétrico.

Em Escritores Que Não Escrevem

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Se um dia peguei em armas

Foi para extinguir-me. Ouvi a rebentação do rio em noite noturna amazônica. Cantei uma ode à madrugada presente e fui dormir a cabeça em travesseiro duro no chão de uma palhoça. Já vivi em tantos lugares. Já fui tantos. Hoje sou pouco. O suficiente para escrever um sentimento de despreparo para a vida. Eu rondo os mistérios do meu ser com medo de ficar de fronte a uma arma novamente. Sinto minhas pernas cambalearem, mas uma força me leva em frente. Uma vontade de fazer parte de uma execução. Uma bala na cabeça em dias de Corpus Christi. Já fui herói. Não sou mais.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Grito

Matei o grito com silêncio. Perturbador. Olhei em volta e não mais havia silêncio, apenas um ruído, baixo. O ruído continuou por horas não contadas em relógios de paredes até que abri a gaveta, a última do armário mais alto, mais velho, e encontrei um novo grito, mais alto, mais velho do que aquele outro. Coloquei-o na garganta e fiz reverberar em grunhidos silenciosos e descompassados. Ainda sinto uma vontade de gritar, mas em silêncio vou levando a vida.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Vermelho como os teus olhos

É o sangue. Dentro dos olhos, marejando, diluindo a visão. Vermelho como os teus olhos nunca vi. Talvez um dia, em verdes prados, ostente na penumbra de uma árvore solitária um sorriso branco que contraste com o vermelho, reluzindo um recomeço de história. Que o sangue, derramado em lágrimas, desenhe um coração em teu peito, pedindo passagem no curto espamo de um palpitar. Não seja infeliz em comunidade, seja feliz em solitude.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Do tipo que não manda flores

Olá, como vai? Eu vou indo. E você, tudo bem? Já dizia o Chico. Eu não sou do tipo que manda flores. Não abro porta de carro, pois só ando de ônibus. Eu sofro da síndrome do marido-que-não-compra-presente-pra-esposa. Um dia, quiçá, ela me leve pra jantar. Nossa filha pretende fazer jornada tripla. Quer ter três empregos: médica, estilista e... não me lembro o último. Espero que não seja empregada, seja uma trabalhadora ciente dos seus direitos ou uma empreendedora, expressão-função tão em voga. Quem sabe, quando ela crescer, compre um carro-emissão-zero que voe por aí e leve papai e mamãe pra passear num lugar que não seja shopping center. Hoje ela questionou. Dois finais de semana seguidos que frequentamos um estabelecimento desses. No próximo, oxalá, caminhemos num dos parques da cidade. Sou do tipo interiorano, que olha pra árvore como se fosse algo sublime. Eu acho sublime. Passarinho cantarola, eu sorrio. Defecou em mim, eu fico puto. Lanço impropérios e xingo até a formiga que, tranquila, trilha um caminho de parede. Amanhã pretendo acordar cedo, mas conhecendo-me, reconheço, é mais fácil um camelo... você sabe o resto. Pois então... amanhã é dia de ver Pimpão na televisão. Será que o jogo vai ser transmitido? Vou lá na rede navegar. Inté.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Eu quis comprar o céu

Entrei na primeira igreja que vi pela frente. Queria comprar o céu. Tava em oferta, dizia a placa. Parecia barato o negócio, mas as condições me demoveram da ideia. Aquele deus que me mostraram não era humano, era mais um capitalista profano, vendendo algo que não lhe pertencia. O céu é seu, é meu, é de quem possar olhar. Vou tentar comprar uma casa assim que for possível. Naquela igreja do começo dessa história, eles não vendem casas, apenas céus e automóveis. E te dão um adesivo para colar no vidro: "Guiado por Deus." O veículo deve vir arrendado em nome Dele.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Ótimo

Ótimo. Perfeito. Nada mal.
Não ser o que se quer ser.
O que fazer?
Nada a ver. Sem o quê.
Eu sei viver.
Ótimo não é perfeito.
É apenas ótimo.
Como aquilo que se deseja e se consegue.
Como e aquilo numa mesma frase
É mais uma forma self service
De comparação.
Ótimo. Estou feliz.
Por "ter" um teto e ter uma família.
Mulher e filha.
Minha família.
Não estou mais aqui.
Estou ali. Ao lado.
Mesmo CEP.
Aos 90 minutos de partida.
Um tempo para descansar.
E voltar ao trabalho segunda ou terça.
Ótimo pra você?
Pra mim tá ótimo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Não vi o que você fez

Ontem, no meio da novela das oito, surgiram novos personagens. Um morreu, outro matou e outra casou. No final-feliz alguns nasceram, outros fugiram. Só não vi o que você fez pro jantar, pois o gás acabou.

Folhas em Branco

Folhas em branco caíram das árvores
Máquinas cospiam folhas em branco
Das árvores mais altas da praça
Da Praça dos Escritores
Saiam pessoas das sombras
Em busca de leitura substantiva
Rodeando e catando papéis
Máquinas no alto
Escritores perdidos
Flores borradas de tinta invisível
Leitores
Leituras
Perdidas numa tarde de quinta-feira
No meio da praça
Garis varriam páginas em branco
De uma história não escrita
Apenas sonhada
Não perca o fio da meada
Viva o sol antes da geada
E abrigue-se debaixo
De uma árvore escritora
De páginas em branco.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Papelinho Poeira

Debaixo da cama havia poeira. Poeira de não-sei-quantos-dias-atrás. Lavei o chão da casa quando para cá me mudei. Usei mangueira, água e sabão. Outro dia olhei debaixo da cama e vi essa poeira que-não-sei-como-foi-parar-ali. Coisa estranha. Debaixo da poeira havia um papelinho. Busquei o dicionário para ver se era papelzinho. Saquei o "z" para ler o papel pequeno. Nada. Estava em branco. Como não sou adepto de conspirações pequenas, apenas das grandes, rasguei o papelinho e joguei na lixeira. Se você pensou encontrar alguma explicação para o título, desculpe o exercício de escrever sobre algo tão singelo. Um papel pequeno debaixo da poeira que estava debaixo da cama. Bem, eu não limpei aquela sujeira. Eu a deixei lá, com um espaço limpinho demarcado. Um espaço como aqueles de cadáveres em cenas de crimes. O cadáver, desta vez, fui eu, admito, que recolhi e descartei numa lixeira de banheiro. Não encontrarão nenhuma digital para incriminar-me. Usei luvas. Agora, por que usei luvas para efetuar uma tarefa tão simples? Não sei. Só sei que não não sou adepto de conspirações pequenas, apensas das grandes.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Presente! Ausente!

Marchas pelos direitos humanos. Presente!
Marchas por melhores condições de trabalho.Presente!
Marchas contra a devastação da Amazônia. Presente!
Marchas contra a privataria insana de um mandatário. Presente!
Marchas contra a TFP. Presente!
Marchas contra a ditadura militar. Presente!
Uma cova rasa na região do Bico do Papagaio. Presente!
A história ainda não contou suas verdades escondidas
Entre literaturas amenas de diários e semanários
Para saber a verdadeira história do Brasil há três caminhos:
Bibliotecas, Internet e Sobreviventes.
Não queremos BIS de corpos lançados ao mar
Ou enterrados em valas,
Como arquivos velhos numa caixa empoeirada.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Mudanças: Dona Clara nos deixará partir?

Dona Clara, que nos acolheu de braços abertos há mais de um ano, parece não se sensibilizar com nossa situação. Um bairro periférico, porém vitimado pela especulação imobiliária. Há proprietários preferindo deixar imóveis vagos do que alugá-los. As placas de "Vende-se" entulham o visual, criando-se a falsa impressão de que todos que aqui moram partirão para algum lugar distante. Não. Nem aqui moram. Apenas possuem. Possuem o espaço em que outras pessoas vivem. Estou cansado de mudar de habitação. Desde os primórdios vivo como nômade, cambiando de lugar. Tanto CEP já fez parte da minha vida. Acho que vou ter que alugar uma caixa postal. Por que eu não posso tê-la também?

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Arrastando Móveis escada abaixo

Na casa de dois pisos, o sujeito sobe e desce a escada pois lava roupa em tempo chuvoso ao som de Móveis Coloniais de Acaju. Eu não nasci com fama, mas arrasto Móveis escada abaixo pra ver se a roupa já está pronta pra pendurar no varal interno. No externo, o que tinha já secou e molhou algumas vezes nos últimos 30 minutos. Quem sabe eu perco peso nesta maratona.

domingo, 4 de janeiro de 2009

É hoje que eu não durmo!

Rolando 17 horas, não foi nenhum recorde, acho que não durmo hoje ou amanhã. Preciso parar com isso. Daqui a pouco tô dormindo de ponta cabeça debaixo da escada. Vou ler alguma coisa do século passado pra ver se relaxo. A última atividade não foi bem o que eu esperava. Ainda espero mais.

O álcool era pra verruga

Verruga é um negócio muito feio. Tinha duas aqui no peito. Digo "tinha" porque tinha. Não tenho mais. No intervalo entre este texto e o outro eu cortei esses bagulhos. Juntei uma garrafa de álcool, daquele que bêbado bebe, e tomei coragem. Não doeu, agora, suponho, que estou anestesiado. 4%. Amanhã não sei o que virá. Mas agora eu olhei e ficou mais bonito. Deve ser o estresse. Essas coisas não me apareciam quando eu vagava. Foi só ter registro em carteira de trabalho que o negócio apareceu. É, meu filho. Quem diria que você estaria fazendo cirurgia plástica caseira! Se o resultado for duradouro, abro uma clínica e começo a ganhar dinheiro com isso. Extreme.

O dia é noite

Como um vampiro, virei o dia de olhos fechados, dormindo o sono dos cansados. O dia foi noite, neste sábado. A noite não sei o que será. Estou cansado, muito cansado. E é férias, ainda. Após, não sei o que será. Gostaria de estar mais produtivo, menos cansado, menos perdido. Tenho um teto, que não é meu. Pago por ele. Gostaria de não ter que pagar para usufruir, mas de pagar para tê-lo. Se tem uma coisa que penso em comprar é uma casa, apartamento não. Depois, quem sabe. Agora, só penso nisso. Cansa pagar aluguel. Tudo bem que é devido, tem um acordo. Eu moro, eu pago. Mas vou ver esta semana se o Governo patrocina um trabalhador na compra de uma casa para moradia. Vejo por aí muito financiamento para investimento. Gente que compra imóveis não para morar, mas para alugar. O Governo não deveria permitir isso. Dinheiro público não pode ter intermediário que não seja público. Mais um episódio, mais uma terapia da palavra. Sinto uma leveza nos pensamentos, mas o corpo cansado.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Ele foi pelo muro até encontrar o NADA.
NADA era uma pichação em cima da palavra AMOR.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Centro

Fui ao centro hoje. Chamam aquilo de centro. Pra mim é periferia. Meu centro é o meu bairro com suas ladeiras e um rio que corre debaixo da avenida principal. Córrego subterrâneo. Um sujeito escreveu um livro sobre "causos". Há vários córregos subterrâneos em Belo Horizonte. No "centro" tem demais. Quem enterrou os córregos não imagina como seria lindo ver alguns vales nesta cidade. Progresso? Isso é pra carro e especulador imobilário. Eu queria ver natureza. Ah, no centro tem! Chama parque municipal. 452 dias que moro aqui e nunca fui ao parque municipal. Como eu sei o número de dias? Usando uma calculadora financeira. Amanhã serão 453 dias. Serão? Será? E se eu resolver quebrar este tabu? Jogador de futebol é que gosta de quebrar tabu. A maioria diz que "tabu foi feito pra ser quebrado". Então, come a mãe, sô! Tabu é tabu, meu filho...

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Gosto

Infinito.
Gosto.
Gosto.
Sabor.
Amor.
Desejo.
Paladar.
Língua.
Ou não.

Acertei no Milharal

Faturei um milhão
Jogando em números.
1,2,3,4,5,6
Deu certo.
Dividiram 100 milhões
Entre 100 teimosos
Da seqüência.
Como daquela vez
Em que não deu zebra
Na Loteria Esportiva.
Receita para o sucesso:
Seja o último,
Pois o último será o primeiro.
O primeiro a perceber que
É inútil usar matemática
Numa coisa aleatória.