quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O velho não sabia a hora da morte

Ônibus lotado. Não cabia mais ninguém no veículo. Ele entrou e ficou na porta. Parecia um pingente. Começou a olhar para a mulher gestante. Lembrou de sua esposa e filho. Um corte na cena doeu-lhe o coração. Iniciou-se uma discussão. Um velho gritou em direção à mulher grávida. Gravidade. Ele não teve mãe?, pensou. Esperou o diálogo, mas não houve diálogo. Apenas o velho falava, berrava, vomitava violentamente contra a mulher. Queria o lugar de sua filha, o lugar no ônibus, o seu lugar. Ela, calada. O velho dizia as maiores barbaridades que já ouvira. Segurou a vontade de matá-lo ali na frente de todo mundo, até da mulher atingida. Ele desligou conscientemente o volume da peleja. Via o cinema-mudo. Uma mulher sendo violentada na frente de dezenas de pessoas. Ninguém levantara a voz contra o agressor. Esperou ali na porta do ônibus. Esperou o momento exato para sacar o velho do veículo. Numa parada de semáforo, aproveitou a porta aberta esquecida pelo motorista e agarrou o velho, arrastando-o para fora. Não olhou para trás, mas imaginou que todos olharam para a cena assustados. O movimento foi rápido. Ele era bom no tranco. O ônibus partiu e não deixou testemunhas. Ele olhou nos olhos do velho maníaco. O olhar frio atingiu em cheio o idoso, o cavalo, o bruto. Gelou a figura de medo. Ele levantou a mão. O velho fechou os olhos. Quando tomou coragem para abri-los. O nosso homem não estava mais lá. Ficou a lição. Da próxima vez não tem vez. É a morte.

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