sábado, 29 de agosto de 2009

Era uma fenda

Morte natural? Tudo bem que não havia sangue, nem sinais de violência. Breno estava lá, "sentado" na velha poltrona do papai. O jornal nas mãos. Nenhum sinal de vida e, como disse anteriormente, nenhum sinal de violência. Estava lá, "lendo" o jornal. Paralisado. A televisão poderia estar ligada, mas era domingo. Nada de bom passa aos domingos na televisão. Estranho que a família tenha visitado o velho Breno num domingo. Ele não suportava a família. Afastou-se de tudo e de todos. Diziam-no "excêntrico". Agora, estava lá, imóvel, lendo um jornal do qual não era assinante. Fazia questão de sair pela manhã de casa e caminhar até a banca que ficava ao lado da padaria. Um neto curioso foi mexer no "corpo". Achou uma fenda atrás da cabeça do vovô. E ele disse "fenda". Ninguém sabia que o moleque falava, quanto mais que sabia o que era uma "fenda". Por incrível que pareça, a fenda, por mais que o nome suponha uma coisa violenta, foi cravada na cabeça do velho Breno de forma "limpa". Como se estivesse ali a vida toda. Não havia sangue nas beiradas. Até olharam pela sala para achar a "arma do crime", mas nada. Um genro, o que Breno menos gostava, supôs que o "assassino" tivesse levado consigo a "arma do crime". Resolveram chamar a polícia. No que tocaram as mãos no telefone para chamar os tiras ouviu-se um grunhido. Todos silenciaram para descobrir de onde vinha o som. No canto da sala, Breno levou as mãos ao canto da boca e limpou uma baba que começara a cair. Todos, espantados, começaram a falar ao mesmo tempo. Breno levantou os olhos, assustado, e perguntou o que faziam em sua casa. Era domingo. Não admitia a "família" em sua casa aos domingos. Breno levantou da poltrona e percebeu que algo estava errado em sua cabeça. Passou a mão na nuca e descobriu a fenda aberta. Olhou para os parentes e, sem cerimônia, fechou o zíper que possuía no local. A filha mais velha desmaiou ao ouvir o ruído do zíper. Os netos correram para o avô. O genro do qual ele menos gostava ficou imobilizado como estátua. Breno arrumou o cabelo grisalho da cabeça e caminhou lentamente até a porta da casa com os netos agarrados em suas pernas. Eles faziam festa. Com muita educação levantou a filha pelas mãos. Ela, atônita, não conseguia dizer nada. Olhos vidrados no pai. Breno conduziu-os para fora da casa. Quando não havia mais ninguém em sua sala, sussurrou: - "Voltem no sábado. Domingo não é dia para família."

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