terça-feira, 30 de dezembro de 2008

o escritor sóbrio

o escritor sóbrio aguarda a bebida gelar para iniciar suas atribulações em formato de imprensa.

nada que o faça sorrir, apenas lamentar a ausência de escopo.

enquanto a vida passa ele batuca umas palavras na máquina, solitário, solícito, servil à espera de idéias.

lamentável ao que um ser desprezível se propõe em vida: escrever sobre a morte.

não espere aplausos dos vivos quando morrer.

dirão: foi-se. antes ele do que eu.

ainda vou redigir tua lápide a lápis e deixarei borracha sobre teu túmulo. caso não goste, apague.

boa noite e descanse em paz.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Balada Noturna

"Algunas noches soy fácil,
no acato límites"
(Babasónicos)

Una música que adentra mis noches solamente con este refrán. "Los refranes son sentencias breves, sacadas de la experiencia y especulación de nuestros antiguos sabios".

Babasónicos pronuncian esas palabras en Yegua, pero antes, en Carismático, ambas del disco Anoche, son lanzadas en el medio de la música como se murmurada para luego en seguida seren cantadas en toda su plenitud.

Você já olhou dentro dos meus olhos?

Você já olhou nos meu olhos
Você já cantou nos meus ouvidos
Não faça nada de que se arrependa
Por não ter olhado
Por não ter cantado
Veja o movimento estancar
Veja o soluço brotar
De uma lágrima só
Que vem e que vai
Dizer

Não me venha você
Me dizer que está só
Eu vou contando palavras
Num conto apenas
Poesia nenhuma
Eu falo de amor sem sofrer
Você sofre de amar
Sem falar
Você sofre de amar
E esconder.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Meia Teia

A teia
Fogo
Na meia
Água
Areia
Praia
Uma ceia
Creia
Não faz sentido algum procurar sentido em palavras colocadas uma a uma después de otras palabras.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Samba-Rock Josiane

Eu tô perdido na rua
Eu tô perdido na rua
Menina, eu olho pro céu e vejo uma lua!
Eu tô perdido na rua
Eu tô perdido na rua
Menina, eu olho pro céu e caio na sua!

Todo dia que eu vejo é domingo
Todo domingo que eu curto é feira

Eu volto meus olhos pra rua
Menina, eu caí na sua!
Eu volto meus olhos pra rua
No meu céu você é a lua!

Na Casa do Baile, Pampulha, gostaria que você estivesse aqui. Caminhada perdida no São Luiz, retornando pelo Aeroporto. Chuviscos persistentes de um sábado à toa.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Janelas Fechadas

A criação está trancada no sobrado do bairro Dona Clara. Nenhuma palavra. Nenhuma introspectiva. Apenas o fato de não ter nada pra fazer, a não ser batucar um teclado com as letras A e E agarradas. Procurei música clássica pra ouvir, mas não faz o meu estilo. Vou ver se analiso algumas resenhas "clássicas" para aaaaaaaaa - viu? não disse que tava agarrando? - eu tentar diversificar a trilha sonora durante esse tempo sozinho. Vou sair daqui a pouco para caminhar. Tomara que não chova. Só quando eu voltar, pois dormir-chovendo é o que há. Alguém já disse isso. Só estou repetindo. E antes que me repita demais, vou parando por aqui. O Grisalho Noturno tá virando diário de adolescente. Vou respirar um pouco de ar lá fora pra ver se cresço. Inté.

Pelejando

Duas da madrugada. A chuva voltou a assombrar dezembro. Ouvindo rock argentino, pelejo dormir. Vou escrever um pouco pra ver se o sono bate mais forte. Se tentasse fechar os olhos, o cérebro ainda assim ficaria maquinando um mundo imenso de coisas que já deveriam estar guardadas no subconsciente. Vou descobrindo as palavras estrangeiras, mas não tenho vontade de pronunciá-las ahora. Me voy acostarme. Quizás mañana encuentre algo que hacer. Hace mucho tiempo que no escribo en español. Pienso que esta noche... Ya tengo sueño... ZzZzZzZzzZZzz

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Bisbilhotices

Tava estirado na cama lendo o último de Fernando Morais. Um livro aberto na frente das lentes. Eu tenho miopia. Leio e ouço a televisão ao mesmo tempo. Quando surge algo interessante na TV, eu levanto os olhos pra ver o que passa. Fofocas. Tem programa que só mostra as últimas fofocas. Quando essas não são as últimas, eles sabem rechear 10 minutos de matéria com duas ou três fotos "exclusivas" repetidas milhaaares de vezes. Bisbilhotice. Passou a surpresa. Descubro outras surpresas na página 353.

domingo, 14 de dezembro de 2008

A caverna e o olhar

Onde? Guardei pedras nos sapatos de tantas caminhadas. Onde? As perdi. Onde? Trouxe algumas num dos bolsos. Onde? Puídos, não suportaram a viagem. Onde? Dentro de malas não guardo palavras. Onde? Livros, talvez. Onde? As pedras, nunca mais. Onde? Uma caverna no seu olhar. Onde? No museu, no jardim. Onde? As mangas caíam sobre carros. Onde? Fui encontrar você. Onde? Dois anos atrás. Onde? Volte logo.

sábado, 13 de dezembro de 2008

As batidas no armário velho

O sono correu pela casa. Tudo escuro. Barulho nenhum. Não havia sombras, porque não havia luz. Um breu. Um vazio. De repente, batidas no armário. "Batidas surdas". Toc, toc. Toc, toc. Cadenciadas. Subi a escada. Desci ao porão. A casa era grande. No meio do nada. Cercada por tudo. Bairro periférico. Muito mato nas redondezas. Toc, toc. Toc, toc. Chegaram os amigos. Traziam comida e bebida. Não eram pra mim. Desceram ao porão, abriram uma passagem atrás de um armário velho. Toc, toc. Toc, toc, fazia a refém.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Palavra de Ordem

Queixa! Eu vou,
Mito, que sou,
Andando em concerto,
Olhando a massa,
Voluntária,
Amai-vos,
Uns aos Outros,
Correndo da polícia,
Da política,
Da vida,
Palavra de Ordem
Não falta.
Todo dia sim,
Todo dia não.
Meu silêncio me perturba
Mais que uma turba
Consumidora
Em tempos de Natal.
Jesus nasceu, morreu e nós
Atados em uma crença milenar.

Pensamentos Internos

Encontrar sorrisos
Internamente
Isolados
Não é tarefa fácil
Outros dias
Outros instantes
Seriam mais abertos
A experiências menos
Traumáticas
Olhares sinceros
Pensamentos internos
Conversas amenas
A menos de um
Cumprimento de distância.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Pesadelo sob as traves

Outra noite sem dormir
Ontem era o goleiro
Hoje era o artilheiro
Ontem era o frangueiro
Hoje era um segundo
Couro no couro
A bola não obedeceu
Caminhou rumo
À lua em céu nublado.

O futebol e a massa

Estádio lotado
Não há mais espaço
Tabuleiro jogado
A massa gritando
A bola correndo
Jogadores vivendo
Cada segundo
Do espetáculo
Não há intervalo
Pra quem joga
O jogo é noventa minutos
E a eternidade de um lance
Ganhado
Ou perdido.

sábado, 8 de novembro de 2008

Oito

Afoito
Coito
Biscoito
2x4
Oito

Novembro

Verbo
Move
Nove
Me(n)bro
Verbo
Não é nove
Não é membro
Não é nono
É o décimo
Primeiro.

sábado, 1 de novembro de 2008

Uma passarela para o Bonfim

Nos arredores da rodoviária, o movimento é intenso, seja dia, seja noite. Na passarela ao lado, há muitas pessoas vindo em minha direção. Carregam malas. Vão viajar. Vou subindo a passarela e em frente vejo lá longe uma cruz azul, de neón. Igreja no Bonfim. Quando era criança em cidade do interior esse sinal me atraía. Praça da Matriz. Hoje, não. Cidade grande. Desvio à esquerda, minha viagem está só começando. Depois de algumas estações estarei em casa, no convívio de meu lar, ao lado de minha esposa.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Cozinhando na Lata

17h20. Linha 1 do metrô. Linha única? Destino: Inferno, passando por nove estações repetidas. Primavera, verão, primavera, verão etc. O ar que desce escorre pelo pescoço. Sem cortina, o sol bate na tua cara e te chama de vagabundo. 1,8 conto? Não dava 1 centavo para cozinhar nessa lata.

domingo, 26 de outubro de 2008

Dois países chamados Praia e Morro

Imaginemos que um país chamado Rio de Janeiro saísse de uma eleição literalmente rachado, 50-50. Imaginemos, agora, que um dos candidatos fosse o rei da praia e o outro o rei do morro. Imaginemos que Philip Goldberg fosse embaixador estado-unidense no Rio de Janeiro. Imaginemos que na costa deste país houvesse a maior reserva de petróleo do planeta. Imaginemos que houvesse um golpe e Rio de Janeiro virasse, da noite para o dia, uma zona de conflito armado. Imaginemos que de uma guerra civil surgissem dois países: Morro e Praia. Em qual você ficaria? O que você faria?

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Partido...

Quebrei o dente. Uma hora estava aqui. Noutra partiu. Era moleque, em Castanhal, quebrando castanha-do-pará no dente. Senti o crocante branco. O crocante se tornou afiado, quase rasguei o lábio superior. Era branco. Branco de dente. Não fiquei banguela. Foi-se uma lasca do primeiro da frente, o incisivo central. São dois. Dois lascados. Acho que uma das lascas engoli. Ah, meus tempos de trave-sem-goleiro! Quando a gente perde um dente é um sofrimento. Não nasceu comigo, mas deveria morrer (comigo). Isso aconteceu, em definitivo, quando conversava com amigos de faculdade. À certa altura do campeonato, senti o baque. Um incisivo lateral tentava me abandonar. Que hora! - Eu sorria nessa hora, imagine. Segurei-o com a língua. Assim fiquei por longas horas. Não tinha espelho na faculdade, por isso não vi como o negócio ficou. Só fui ver em casa. Partiu bem na gengiva. O danado ainda tinha parte da coroa e a raiz fincada na gengiva. Seguinte: fui ao dentista, o sujeito reparou o trauma, fincando um parafuso no espaço vago e um dublê em cima do parafuso. Foi branco. Hoje é azul.

sábado, 18 de outubro de 2008

O grito das urnas

Apertado o botão. A urna grita. Não confirme o que não pode ser confirmado. Ninguém me representa melhor que eu. Próprio. Múltiplas faces. Múltiplos eus. Múltiplo Zeus. Diz, Graça! O que te faz pensar que alguém nos representa melhor que nós mesmos? Eu não perco meu tempo buscando similares entre estranhos. Procuro diferenças cruciais para meu juízo de valor. Perdido não estou. Tenho uma bússola. Esquerda. Aponta o norte onde o sul está. Quando chove é inverno. Não, verão. O retorno. O médico já avisou que devemos retornar no dia 26 para nova consulta. Um SUSto pensar que sairá de dentro da urna um sujeito que desconheço completamente. Não são coelhinhas da Playboy saindo de um bolo gigante. É um político. Da pior raça. Do tipo profissional. Pagando, ele te dá o botão para você apertar o caixa da registradora. Dos porões da ditadura e do Vale do Aço. Um enferrujado. Outro conservado em óleo johnson. Pode ter sido um daqueles bebês de propaganda. Aliás, propaganda tem sido a arma do negócio. Coisa de quem atira pra tudo que é lado e acaba tendo um lado apenas. O próprio.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Foice

Sentado no meio-fio
Orando a Deusdará
Olhou nos olhos
Do pedestre
Peatón, en español.

Virado para a direita
Do Pirulito
Trafegou por faixas
Brancas, vermelhas, brancas, vermelhas.
Caminhou.

Caminho ingrato
Sol causticante
Manifestações públicas
De trabalhadores
Insatisfeitos.

Ainda penso:
Por que não fazemos manifestações
Quando estamos satisfeitos?
Não tenho a resposta
Talvez, você.

Greve dos Bancários - Outubro de 2008.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

E os putos?

Cansei. As genitoras não merecem mais arcar sozinhas com um xingamento que virou lugar-comum: filho da puta. Os putos-genitores também devem levar umas pedradas em praças públicas. Safados que não aparecem em registros, certidões de nascimento. Há aqueles que geram excrescências que perduram. Xinguem-nos! Chamem de filhos do puto!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Una canción de guerra

Otra vez
No sé decir
Que pasa en
Tu cabeza
¿Hay una
Cabeza?
¿O veo cosas
Invisibles?
Guerra
Es lo que veo.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Curitiba, Dalton!

Já me perdi na Curitiba de Trevisan. O cemitério de elefantes. As prostitutas. Os canalhas. Uma garoa fina, constante. As praças. Os telefonemas. As traições. Pingado em copo da rodoviária se bebe no canudo. Meio litro de café. Uma lágrima de leite.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A faixa amarela do metrô

Já sei o ponto exato da faixa amarela do metrô. Estação Lagoinha, sentido Vilarinho. O ponto exato para entrar no vagão e descer direto na escada da Estação 1º de Maio. Estratégico. Coisa de quem pega o trem todo santo dia. Tem uma falha na faixa. Desconfio que seja a interseção das faixas.

sábado, 20 de setembro de 2008

Nas Sombras III

Não saiu da peça. Adormecido no sofá. Único. O rebuliço lá fora. O pós-madrugada de corujas. Não parecia preocupado com o sol que entrava pela janela. Revirou a cabeça e esqueceu da vida. Ou vivia nos sonhos a velha utopia discutida em silêncio com outras pessoas. Companheiros. A manhã foi perdendo o sentido, abrindo caminho para a tarde. Ele resolveu levantar. Olhou no espelho. Não viu quem era. Não necessitava. Já sabia o texto de cór e salteado. Lavou o rosto e ganhou a rua. Magro, não fazia questão de alimentar-se. Entrou pelas velhas ruas movimentadas da cidade. Belo Horizonte. Longe do eixo. Os caminhos que o levaram à capital mineira só ele sabia. Não tinha amigos ali. Os companheiros de silêncio ficaram no passado. Foi necessário. Atravessou dua avenidas antes de se perder no parque. Era seu destino despistar estranhos, como aqueles que fizeram vigília do outro lado da rua no dia anterior. Como? Como ele sabia que eles estavam lá? Sabendo. Eles sempre estão à sua caça. Aguardando um passo em falso.

(Continua...)

Você já contou tudo o que paga?

Eu parei. Cansei de contar minhas contas. Dívidas. Ingratas. Trabalhar para viver. Viver para trabalhar. Um ‘tostines’ como diria o Mylton Severiano, editor da Caros Amigos, em sua Enfermaria. Resolvi contar histórias uns anos atrás, após entrar na faculdade de comunicação. Hoje, dedico parte do meu tempo para ler e escrever. Atividade amadora, porém deliciosa. Não conto linhas, palavras, pois o espaço é livre para voar. Às vezes, sou lacônico. Às vezes, um tagarela. Rato de dicionário. Adoro degustar palavras novas. Já me chamaram de irônico, cínico, mas me divirto com o gosto de palavras novas. Quando as ouço busco suas expressões gráficas e repito, repito muito seus significados. Zombeteiro? Não. Talvez. Quem sabe?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Onde? Geleira de Belo Horizonte.

Outro dia um iceberg estacionou em BH. Em picadinhos, é verdade. Mas estacionou. Carros sentiram o peso de não ter seguro. Motoristas choraram. O trem não saiu do lugar. Pobres, que não tinha nadam, perderam tudo, em Carandaí. Um tragédia. Minha mulher fotografou as pedras de gelo que acumularam no jardim do condomínio. Deu vontade de armazenar no refrigerador. De recordação. Uma vizinha foi machucada. Uma lástima. Tão boazinha. Quando chegamos no sobradinho, ela nos deu tudo já que a mudança demorou 57 dias para chegar do Marrocos. Brinco. Não vim do Marrocos, vim de Goiânia. Logo ali, mas a bagunça demorou 57 dias. Quando acionei a companhia de mudanças na justiça, após inúmeras tentativas de reaver meus pertences, a maldita ainda recorreu. O processo ainda tá transitando em julgado. Execução. Mas, voltando ao assunto, a Pampulha sofreu com os "cubos" de gelo. Vi um mendigo levando pedrada na cabeça. Todo sorridente. Devia ter álcool até o olho. Nessas horas que eu levanto a mão a Deus. Tava no trabalho. Os vidros das janelas devem ter uns oito centímetros de expessura. As únicas coisas que já vi passarem ali foi vento e bala. Na verdade não vi a bala. Mas tá lá o buraco, na janela do alto do quarto andar.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

O boi

Olhou direto no retrovisor e viu um boi. Foi tão rápido que ao olhar novamente não havia mais retrovisor. Só um tênis. O motoboy pisou tão forte que deixou o chulezento no quebra-vento. Carro velho. Ainda tem quebra-vento. Virou à direita, entrou numa rua estreita. Pra cortar caminho. Subiu dois quarteirões. Quando desceu na frente da igreja, templo, o que seja, olhou pelo outro retrovisor. Pau! Lá se vai mais um... Não podia mais arriscar retornar à avenida grande. Contornou os jardins da praça e subiu por outra ruela. Ainda tinha um retrovisor. Aquele interno. Piscou. Piscou pra ver se acreditava nos próprios olhos. Um boi estava sentado no banco de trás. O boi.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Palavras portuguesas...

Navegando nas letras de Jorge Amado
Descubro uma camisola na montra
Nas palavras do português
Desembarcado em Salvador
O rapaz da venda desconhecia a língua:
- Falou duas palavras em francês e uma em inglês: vitrine, pulôver e suéter.

O buraco

O poeta habita
Um buraco escuro
Vivendo estrofes
Degustando palavras
Criando um mundo
Ímpar para duas pessoas,
No máximo.

Não faz de conta
Em mundo-de-faz-de-conta
Faz as contas das migalhas
Que recebe na lida diária
De seu ganha-pão.

Retorna todos os dias
Ao começo de seus poemas
Revisitando cada sensação
Como se fosse única
Como se fosse última.

Um dia não sairá do buraco
A obra permanecerá no compartimento
Excremento
Dos outros seres que habitam
O piso superior
De seu conjugado
Verbo finito.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O barulho do vento

Cercado por montanhas
O barulho do vento
É morno
Sentido norte-sul
Sobre o asfalto negro
Das artérias urbanas
Cidade grande
Gente pequena
Vislumbrando desenvolvimento
Onde vemos destruição.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Psiu... Eu preciso dormir...

Olha. Não tô querendo ser chato, mas já tá na hora. Amanhã tem trabalho. Trabalho ingrato. Durma com um problema desse, pois eu não durmo.

Nas Sombras II

Altas horas da noite. O logradouro está calado. Uma luz está acesa. Não se atreve a olhar pela janela o que se passa lá embaixo, nunca. Podem estar lá os curiosos da vida alheia, principalmente de pessoas reclusas. Imaginemos que nosso solitário esteja lendo um livro, um jornal. Não está. No apartamento não há nenhum tipo de leitura. Apesar dessa aridez, ele é do tipo que já leu muito. Como disse anteriormente, não ostenta nenhum papel. Quando entra ou quando sai. Ainda não estamos prontos para entrar no recinto em que os curiosos gostariam de estar. Algumas trancas especiais não permitem a entrada de estranhos sem deixar vestígio. A madrugada já está no ar. Hora de dormir. Há um carro do outro lado da rua, mas só nós sabemos. Na cama, o descanso é necessário ao trabalhador de 12 horas.

(Continua...)

sábado, 6 de setembro de 2008

Olhos Noturnos

A escuridão dos olhos noturnos
Ressaltam que enxergar longe
Não é atividade facilitada
Diuturnamente
Olhos noturnos que se sobrepõem
Aos dias inteiros de sofreguidão
Em trocas de guarda impacientes
Detalhes perdidos em silêncios
Avessos a palavras
Não verei outro raiar do sol
Enquanto essa névoa permanecer
Em meus olhos noturnos
Cantando sonetos descompassados
Cantigas antigas
Sonoros nãos ouvidos nos momentos
Enfadonhos da labuta
Não perderei meu encanto
Nos cantos tristes da história
Do trabalho.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Vergonha na cara é para poucos...

Esperando na chuva os carros passarem à sua frente, fingindo não se importar com gotículas que se juntam ao tecido da roupa ou que escorrem pelas lentes dos óculos. Vergonha na cara é para poucos. Os poucos que passaram por cima de um veículo que fecha aquele cruzamento todo dia em horários de pico. A ocupação do asfalto por pedestres insatisfeitos não vai parar a cidade. Vai, sim, fazê-la respirar, pulsar.

sábado, 30 de agosto de 2008

Nas sombras

Sem identidade formal. Apenas o relacionamento precário. Trocas de palavras amistosas no café da manhã tomado no boteco da esquina. Não fazia nada. Fingia trabalhar. Saía do quarto-sala para o estabelecimento e, de lá, batia perna pro metrô. Operário. Era o que aparentava. Porém, estava sempre limpo, a roupa passada. A colônia exalando. Voltava à noite. Jantar no mesmo boteco. A comida: o que sobrava do almoço. O boteco ficava numa das ruas mais movimentadas de Belo Horizonte, mas não era muito acolhedor. O prato principal, muitas vezes, era o "torresmo de dinossauro". A luz da sala permanecia acesa até a madrugada. Nenhum barulho. Não havia televisão. Os vizinhos não o achavam estranho, pois não havia vizinhos. Todos os outros imóveis do prédio eram escritórios. O seu, apesar da cama, parecia um escritório também. Era um lugar limpo, ordenado. Não recebia clientes. Talvez os visitasse, e não fosse operário. Não levava pasta, nem papéis. Não podia ser um trabalho normal.

(Continua...)

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O ninja parece artista jamaicano

Já escrevi aqui sobre o ninja da Izabel Bueno. Passado o frio, o sujeito agora ostenta óculos escuros. A moita, que ele cria e recria, tá lá na frente do espaço em construção dos Correios. Em frações de segundos, movido por uma rotina ligeira, seus movimentos manuais não nos deixam analisar que obra faz dos gravetos. Dedos hábeis. Quando olho diretamente, ele pára. Com a visão periférica, noto seu labor de formiga, tecendo os galhos de um arbusto imaginário. Não parei, ainda, para trocar palavras. Imagino que ao descer do ônibus ele não esteja mais lá.

domingo, 24 de agosto de 2008

O retorno na rua errada

Escolheu o caminho mais curto
Retorno à direita
Perdeu um braço
E uma perna
No hospital
Um baço
E uma espera
Entrou em surto.

domingo, 17 de agosto de 2008

Desligando o cérebro

Caminhando pela cidade. Palco: Belo Horizonte. Fins de semanas. Eternos. Quando se embarca no 5201, batemos lá no Buritis. Certa vez, dei umas voltas por lá com minha mulher. Paramos num mercado e pensamos em comprar pão. Que coisa. Comprar pão nos Buritis e trazer o pacote no ônibus para comê-lo no Dona Clara não rolava. Sexta-feira, a idéia foi outra. Idéia, não. Lembrança. Após uma sessão de cinema na Savassi, lembrei que faltava papel-higiênico em casa. Putz! Trazer um pacote de p-h no coletivo não rolava mesmo! Por isso, acho que deve haver uma maneira de desligar o cérebro nesses passeios de lazer. Não daquele jeito que Ana Maria Braga propõe. De um jeito mais honesto. Só isso.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Pára o trem! Eu quero descer!

Coisa pior do que dormir no trem é sonhar no trem. Aquele trem chacoalhando ninguém merece. Banquinho pra magrinho. Passou dos oitenta quilos, aquele assento de plástico não é mais suficiente. E as cotoveladas! Confesso: já cheguei nos oitenta. Achei que nunca, nessa vida, passaria essa vergonha. Ganhei dezoito quilos no meu emprego. Depois do casamento, contabilizo 12 quilos. No trem, metrô, ou seja, aquilo que corre no trilho, no horário que estou saindo do trabalho, só consigo um lugar para sentar quando o "povo que mora mal" desce na Estação São Gabriel. Coloquei entre aspas essa expressão porque não é de minha autoria. Outro dia, um gaiato soltou essa no metrô. Todo mundo riu. Quem não desce e quem desce na São Gabriel. Quando todo mundo saiu, o gaiato continuou com a piada, dizendo que ele morava um pouco melhor, no Vilarinho, lá no final da linha.

sábado, 2 de agosto de 2008

Não cantes mais em meu ouvido

Pobre meu pai
Viajei de trem
Labirintos negros
Dona Maria de Lourdes
Odete
Filme de terror
Eu sou aquele que disse
Não tenha medo, não!
Eu quero é botar meu bloco na rua...
Sérgio Sampaio, não cantes mais em meu ouvido.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Bloco de Concreto

Parado a olhar paisagem
Filtrando os ruídos
Da gente que passa veloz
Estava o bloco de concreto
Interrogando suas raízes
Vergalhões inteiros
Penetrando o asfalto
Da metrópole crescente
Caindo em desapreço
Desespero imóvel
Levantasse suas fundações
E saísse por aí a procura
De uma marquise atraente
Que lhe fizesse carinho
Em sua superfície árida.

domingo, 27 de julho de 2008

O coletor de corações

Fazia ponto na esquina da Amazonas com Afonso Pena. Vários trabalhadores adentravam o PSIU à procura de serviços, de registros. Segurando sua modesta plaquinha - não comprava vale transporte, nem vale refeição -, esperava os curiosos se aproximarem. Depois de três palavras, ou conquistava, ou era taxado de louco. "Jesus te ama", dizia. Sua profissão, não remunerada, consistia em propagar essa expressão e, quem sabe, conquistar algum coração angustiado. A peleja era dura. Todos que circulam por aquela região sempre estão com pressa. Não suplicava, apenas aguardava. Quem se aproximasse, recebia seu "Jesus te ama" com a voz mais sincera e o olhar mais puro que alguém já tenha admirado. Talvez, este personagem esteja em minha mente de verdade. Talvez. Não o vi, mas já o imaginei sentado na Rio de Janeiro, sentado aos pés do monumento da Praça Sete.

sábado, 26 de julho de 2008

Fogaça e os malas

Voltava do trabalho, esgotado. Não tinha um puto no bolso além do bilhete do trem. Jornal popular debaixo do sovaco, remela no olho. Fogaça era operário no norte da cidade, morava no sul, mas não conhecia o centro. Nem a zona do baixo meretrício perto da rodoviária. Só andou por aquelas bandas quando desembarcou vindo do oeste. Roubaram seus bagulhos e demorou uma semana para encontrar um teto. Seu nome, Fogaça. Amou Marlene, que lhe deu pousada. Está voltando para os braços da amada, cabeleireira. Ele pretende levar Marlene para o oeste. Não gosta da cidade, do povo. Não gosta do clima, das ondas de calor. Só pensa em voltar para casa. Esta noite não vai tomar banho. O chuveiro elétrico queimou. Por isso, não se move mais rápido. Controla a temperatura do corpo. Se suar, fede. Se feder, Marlene não se atreverá a amá-lo esta noite. Chegou na estação, rompeu a borboleta e esperou. Já era tarde. Na estação, ninguém. Depois de um tempo, chegaram outras pessoas, três. Fogaça deduziu, em silêncio. "Lá vem os malas". Pediram fogo. Fogaça disse que não fumava. Perguntaram as horas, Fogaça não tinha relógio. Perderam a paciência. Fogaça perdeu a vida. Vida de operário é assim. Vive para trabalhar, trabalha para viver. Quando se vê numa encruzilhada, morre. A viúva, de desgosto, muda-se para o oeste, para onde o finado pretendia levá-la. Lá descobre que a vida não vale mais a pena e se atira no rio. Não sabia nadar. Só sabia amar. E cortar cabelos.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Reencontro de colegas de faculdade

Sábado. Todos estarão lá. Dez anos de distância. Geográfica e ideológica. Radialistas, produtores de televisão, bancários, assessores de imprensa, vendedores, mães. Cada um seguiu seu caminho depois de receber o canudo do curso de Comunicação Social, habilitação em Rádio e TV. Soube que um acertou na mega-sena acumulada. Dez, vinte milhões, não sei. O certo é que ele vai aparecer na melhor beca, no melhor carro, na melhor acompanhante que se pode levar por duas milhas. Estou aqui traçando linhas tentando descrever lembranças, porém acho que o melhor é faltar. Não estou afim de levar um tiro na cara de um sujeito complexado que reaparece nesses tipos de encontro para se vingar. Não que eu tenha dado motivos para nenhum daqueles bacharéis. Não que eu tenha motivos para dar cabo de alguns daqueles bacharéis. Nem deveria ter escrito isso aqui, pois a chance de ser usado por meus inimigos é grande. Meu nome é Paulo. Paulo Verdade. O maior contador de mentiras que um jornal pode comprar.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

O descontrole das massas

Eles viviam em guerra
Num mundo coberto
De cinzas
Velavam seus mortos
Por sete dias
E jejuavam
Oravam
Criticavam
Conforme a lei
Separados por diferenças
Tornaram-se iguais
No ódio.

terça-feira, 22 de julho de 2008

O ninja da Izabel Bueno

Em frente aos prédios em reforma dos Correios na Izabel Bueno tem um ninja. Já o vi como estátua. Duas vezes. Negro, barbudo, um pouco acima do peso. Mas o que me chamou atenção hoje foi a máscara de ninja que ele usava. Sempre apegado a uns galhos secos que, se bem me lembro, eram um arbusto. Já o imaginei transformando-se no próprio arbusto. Ainda não o vi em movimento. Parece que está sempre meditando. De pé, com uns galhos secos nas mãos. De perfil, foi como o vi hoje. Estava lá o ninja negro da Izabel Bueno. A máscara é tão negra quanto a pele dele. Ainda achei que um dia desses o viria reluzente, como aquela estátua de bronze do poeta lá no centro. Não sei ao certo se é de bronze, mas parece. O ninja mascarado, não. Quando não usa o adereço, sim. Pois a pele parece o bronze. Acho que não fala. Poderia descer qualquer dia lá para trocar umas palavras com ele, mas a passagem do ônibus é tão cara que não posso me dar ao luxo de perder um bilhete. Escrevo estas mal traçadas linhas do bairro Dona Clara, mas naquela altura da Izabel Bueno não sei que bairro é. Desconfio que seja o Universitário, pois fica próximo do campus da Unifenas.

domingo, 20 de julho de 2008

O cego

Ele viu
Com tato,
Olfato
E paladar.

O retorno de um passeio perdido

A tentativa de tomar o caminho mais curto me fez perder o norte e desci mais ao sul possível de uma trajetória em pleno centro de Belo Horizonte. As ladeiras atulhadas de carros, calçadas em pleno frenesi de inverno, com pessoas muito vestidas - não digo bem, nem mal - tornam o passeio difícil. Encontro, encontrão, sem vontade de assim fazê-lo. Não quero encontrar ninguém conhecido, apenas desconhecidos. Sem palavras a pronunciar. Sem justificativas a dar. Só o prazer de caminhar no sentido escolhido, o de não sentir. Olhar e não ver. Andar e não fatigar. Apenas vislumbrar o movimento do corpo em suas várias funções. Não perco o caminho de vista quando me concentro, mas quando me deixo levar me perco e não sei mais voltar. Porque não balbucio palavras a terceiros, prefiro o diálogo interno em que faço apartes quando bem os quero. Retorno ao início desta mensagem e tomo o caminho oposto, descendo até a estação do metrô. A viagem será longa no espaço e curta no tempo.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Fugindo da Sombra

Dias frios para se fugir das sombras. Sombras geladas que me faz repensar os motivos pelos quais me levaram a sair de casa. Trabalho, ou diversão. Só isso me faz sair de casa. Com este frio de Belo Horizonte, primeiro inverno residindo na capital mineira, meu esporte preferido tem sido dormir agasalhado debaixo de duas cobertas. A brisa da manhã espanca a face sem cerimônia. Lábios rachados, pele ressecada. Depois minha mulher me aluga dizendo que não estou cuidando da minha pele. E ficar sem beijar não pode.

domingo, 6 de julho de 2008

Vento

Nos olhos um véu
Abrir-fechar de cortinas
Movimento seco

De olhos fechados no trem

Contagem regressiva para mais uma viagem. 25 minutos, no máximo. 20, no mínimo. Trem vazio. Tempo frio. Olhos fechados para o mundo, pois é noite. O barulho dos trilhos não é sinfonia, nem poesia, apenas barulho. Solavanco sonoro que tento guardar de memória. Olhos fechados ainda, fone no ouvido. Vai ser difícil acertar a estação. Do rádio, não! Do trem. Se eu passar da minha, é capaz de não voltar. Não conheço nada além da minha. Só pros lados da Eldorado. Tinha dia que o trem parava no trilho na altura do Minas Shopping. Era um breu só. Perdia a conta. Abria os olhos e prosseguia o jogo para não perder o caminho.

sábado, 28 de junho de 2008

Curta-metragem em Belo Horizonte

"Uma idéia na cabeça e uma câmera na mão".

Ele, na verdade, era um curta-metragista de ações rápidas. A idéia de um filme aflorava em sua mente a partir de imagens construídas rapidamente. Um sofá velho plantado na portaria de um prédio em plena Augusto de Lima o fazia criar uma história em segundos. Juntava alguns colegas ou transeuntes anônimos e "fazia". Sem roteiros pré-definidos, ele experimentava não o cinema-verdade. Longe disso. Ele criava histórias, situações que o permitissem gravar em vídeo e só depois trabalhar os contos. A verdade é que ele achava que sua vida seria curta demais. Como seus filmes. Outro dia, durante uma noite fria, andando pela Curitiba viu várias pastelarias; desceu para a Olegário Maciel e viu outras pastelarias. Entrou numa delas e começou o filme. A lente no óleo quente de fritar pastéis, depois nos clientes agasalhados devorando a massa frita, tomando refresco. Saiu de lá com uma impressão boa de que aquele momento, mesmo que não virasse um curta, já bastava para satisfazer sua fome de viver. Resolveu subir para a Afonso Pena e suas faixas de pedestres disputadas. A idéia era gravar o burburinho da Praça Sete. Pessoas para lá, pessoas para cá. De repente, não mais que um repente, a câmera tomou um novo ângulo depois de girar no ar e cair deitada para o lado direito. Um corpo no plano. No asfalto o cineasta largado no chão, sem o brilho dos olhos. A vida, realmente, era muito curta.

domingo, 22 de junho de 2008

Olhando as folhas secas da janela

O frio chegou. Na janela embaçada uma tela de fundo cinza. O silêncio do sobrado já não encanta mais. Os ruídos da rua são mais atraentes. O burburinho do condomínio é a novela diária. Quando me levanto para buscar a correspondência, o agasalho é meu amigo. O chá verde ainda amarga o paladar. Rotina de gente como eu, acima do peso. A disciplina do comer não chegou até minha porta. Alguns degraus me levam ao portão. Uma caixa de correio atulhada de papel. Não havia nenhuma revista, nenhuma correspondência minha. Volto ao sobrado. O espetáculo são as folhas secas da janela.

sábado, 7 de junho de 2008

Catando jambo no Vila Rica

Infância em Castanhal (PA). No final da rua, um jambeiro enorme. Terra de ninguém. O difícil era subir. Mas pra menino não há dificuldade maior que a fome. Ou gula. No meu tempo era gula. Filho de pai bancário prestes a se aposentar. Naquela época, bancário tinha "status". Não havia um dia que não me aventurasse no meio daquele matagal e olhasse para o alto atrás de jambo. Quando chegava o período dos frutos, podia contar umas duas semanas para a colheita dar fim nos jambos. O melhor de ser moleque no interior é que se tem muito o que fazer o dia todo.

O frio das manchetes de jornal

Mensagens de mídia impressa frias como o fio da navalha de outros tempos. A solução imediata de mudar o caminho da História por outros meios que não o democrático. A insensatez orquestrada por um grupo pequeno de pessoas que remam contra a maré do esquerdismo continental.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Dona Clara

Desceu pela Sebastião de Brito
E bingou no galpão dia-sim-dia-não
Ao lado da moto-escola
Artéria do bairro Dona Clara
A via ostenta um comércio local
Só menor que o da Izabel Bueno
Que até banco tem
Pensou em pegar o 5201
Mas preferiu sair num táxi-aéreo
Do Aeroporto Carlos Drummond
Também chamado Pampulha
Voou tão alto que quase
Encontrou o 5201 no alto do Buritis
Do outro lado, quase, é Nova Lima.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Pastou o dia inteiro

Olhando vitrines
Gastando sapato
Ouvindo barulhos
Abrindo carteira
Piloto automático
Entrando
Saindo
Subindo
Descendo
Passou na roleta
Um tiro na cara.
Não se pode mais
Confiar nesses meninos
Que pedem com ira no olhar.

domingo, 18 de maio de 2008

O caminho torto

Aquele sujeito que olha pra gente e diz "como aquele cara é idiota". Coitado. Idiota é ele que se preocupa em diagnosticar a idiotice dos outros. Olhou pra mim. Pensei que havia lido meus pensamentos. Os olhos analisando algo que eu estivesse pensando ou, pior, que eu tivesse dito, pensando estar pensando. Larguei de mão. Foi só uma suspeita. Insatisfeito com o diálogo mal aberto que se tornou monólogo, visto que não abri a boca para comentar seu comentário, saiu da pastelaria e atravessou a rua. Pensei "podia ser atropelado agora pelo mesmo 'idiota' de um minuto atrás". E foi. Não pelo "idiota de um minuto atrás", mas por outro idiota que lançou o carro no vermelho do sinal.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O braço curto

Quando se precisa
De ajuda
Não se pode
Ter braço curto
Já dizia o
Padeiro manco
Da esquina.

Mordendo calçadas

O bicho era bruto. Roía a pintura de seus semelhantes. Enxergava verde. Parava na faixa e ostentava um motor potente a cada partida do semáforo. Seu esporte nas noites de Goiânia: morder calçadas. Adorava pregar susto nos garis que varriam o meio-fio.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Clandestino

À sombra da acácia
Lábios rachados
Pelo frio
Do golpe
À sombra do prédio
Lábios cerrados
Pelo frio
Da censura
Clandestino
Distribuindo panfletos
Quem sabe diatribes
Mas alguma coisa
Deve ser feita
Para romper
A agonia do silêncio.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Contando grama

A noite foi boa. Perdido estava, contando grama. Quando diziam: "Tá errado! Jardineiro corta grama! Não 'conta'!" Pois é. Só enxerga quem se dá o trabalho. Mantive os planos "contando grama". Vendia o bagulho e ainda me mantinha jardineiro do condomínio. Atrás do parquinho das crianças, o parquinho das "outras crianças". A arborização é uma arte. Camufla o que menos se espera. Toquei sozinho o barco durante um tempo. Depois me cafetinaram. A gente agüenta isso até certo ponto. Depois a gente resolve. É quando surge um pai de família ensangüentado no banco da frente de seu carro importado. A família chora, a gente se emociona, pensa nos filhos, na viúva, mas aí bate a realidade: a baranga fazia a festa no shopping com o dinheiro que o marido dela me roubava.

Fatal

Olhar penetrante
Vagueia distante
Andei te olhando
Mesmo esperando
Um sorriso
Um riso
Calado
Sentado
Na rua
Na sua
Na minha
Não tinha
Desejo
O que vejo
É um bonde perdido
Um tiro, estampido
Desperto
Fatal.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Morreu mostrando os dentes

Era bruto. No dizer, no andar, no tratar. Cuspia indignação, mas se corrompia facilmente. Avenida Paraná, pista dupla. Durante o dia, uma benção. Início da noite, um caos. Sinal vermelho para os pedestres, verde para as máquinas. No que foi empurrar um velho a sua frente - para galgar lugar na travessia -, sofreu o movimento brusco de um trombadinha. A trombada foi suficiente para jogá-lo no meio das feras. Morreu mostrando os dentes.

O silêncio perdura o intervalo de uma discussão

O pior silêncio
Aquele que perdura
O intervalo
De um duelo
De palavras hostis
Se afoga em cada um na sua
Ou se deleita num brusco agarrão
Sucedido de lábios gulosos.

Mulher tatuada

Na rua mulher tatuada
Fumando um cigarro
Farrapo humano
Boneca de pano
Tela pintada
Pito
Cigarro de palha
Chaminé ambulante
Olhar vacilante
Perdeu o trem
Das sete novamente
Só amanhã.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Bebendo cachaça no cinema

O aviso tava lá: "Proibida a entrada com bebidas e alimentos". Debaixo do braço, uma garrafa de cachaça. "Pra aliviar a cabeça quando começar o filme europeu". Começou o filme, e ele desengarrafou a preciosa na garganta. Alguém chamou sua atenção, mas ele nem ali. Na fileira da frente, uma jovem soluçava. Emoção. Ele também soluçava. Emoção. No meio da garrafa apareceu o lanterninha. "Ainda existe isso?". "O senhor vai ter de me acompanhar". "Não, obrigado. Agora, se você tiver uns aperitivos...". Coisas que só aconteciam em cinemas urbanos, de rua mesmo, daqueles em que muitos entravam para se proteger da chuva.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Conhecidos perdidos em esquinas

O som da voz
Característica
Peculiar
Retorno de um
Passado perdido
Conhecido
Reconhecido na rua
Entre esquinas
Perdido
Novamente
Para ficar na memória.

sábado, 19 de abril de 2008

Pobre

Pobre
Nasceu sozinho
Pobre
Viveu sozinho
Pobre
Morreu sozinho
Pobre
Virou pó
Pozinho.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Viajando em Sonhos

Na rodovia sem carros
Caminhou
Viajando em sonhos
Pensou
Que caminho seguir
Tentou
Dizer palavras amigas
Notou
Que sua barba crescia
Quietou
Sob a sombra de uma árvore
Deitou
Coberto de relva
Acordou
Com terra nos olhos
Era tarde demais para voltar.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Contrato de Aluguel

Plaquinha no pescoço dizia: Alugo-me. - Como assim, 'alugo-me'? - Eu tô alugando meu corpo, minha alma, todo o conjunto do meu ser. - E quanto é? - Primeiro, precisamos definir as condições. Você tem fiador?

sábado, 12 de abril de 2008

Pedindo socorro na parada do trem

A cena foi rápida. Quando vi, as faxineiras já estavam com esfregão no chão, limpando o sangue. O trem chegou, todo mundo afobado para entrar. Ouviu-se um grito. Todo mundo já estava dentro do vagão, menos uma menina loira. No final de um dia de muito trabalho, pobre não tem muita paciência com o próximo. Saiu no jornal: "Ex-namorado mata garota na estação do metrô".

O homem saiu pela parede

Seis andares. Uma criança. Um assassinato. No que foram ver, o pai disse: "O homem saiu pela parede!". A mentira não foi suficiente. Foi enjaulado. Primeiramente, só. Depois, o privilégio decaiu e ele teve de compartilhar a cela com mais 20. Justiça seja feita. Ele não durou uma noite.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O retorno ao lado do cemitério

Não tem semáforo
Nem faixa de pedestre
Apenas o vermelho
De muitas almas
Abatidas em pleno vôo
Por aves mais velozes
Aves de aço
Com pára-choques de plástico
Plástico negro
Como o asfalto.

domingo, 6 de abril de 2008

Um Abismo Ambiental

Entre você
E eu
Há um abismo
Definido pelo capital
Que me faz usar o transporte
Coletivo
Que lhe faz usar o transporte
Individual
Que emperra meu
Direito de ir e vir
De chegar
Onde você chegou.

Mas não quero
O que você tem
Espero um dia
Compartilhar
Com você
O que possuo:
Consciência ambiental.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Chacoalhando no trem

O trem vem
Sem receio
Viajo
No meio
Sentindo o balançar
De pé a me segurar
Em barras fixas
Esperando um chacoalhar
Quando menos
Se espera
Ele vem
Chacoalhando
Me seguro
Numa curva
Reta
Que desacelera
Para a próxima
Estação
Chegar.

domingo, 30 de março de 2008

Lavando pratos

A tarefa de lavar pratos me assustou o dia. Algo alucinógeno. Talvez a espuma do sabão. Os pensamentos voavam de um jeito estranho após a madrugada em que sonhei com um cachorro e um calango falantes. Ambos do Paraná.

Peixe Partido

Café preto com açúcar
Faca na mão
Tábua no chão
Começa a operação
Partir o peixe
E temperar pro almoço
Tarefa do homem:
Enfiar a faca no bicho congelado.
Tarefa da mulher:
Temperar e assar.
Tarefa dos dois:
Comer, com arroz, feijão e alface.

sábado, 29 de março de 2008

Pobre cuspiu e morreu

Batida na periferia. E não era batida chique. Era pezão na porta e grito de otoridade pra todo mundo da redondeza ouvir. "Cê tá preso! Fica de joelho! Se oferecer resistência, vai levar um teco na testa!". O povo começou a aglomerar na porta do infeliz. Não tinha televisão na hora. Só um repórter da seção policial de um jornal sensacionalista, daqueles que tomam uma cervejinha no final de semana com o delegado em troca de informações. Dentro do barraco, a ação prosseguia. "Seu marginal! Cuspiu na cara de um compadre nosso! Sabe o que vai te acontecer? Vai desaparecer e isso aqui não vai nem sair no jornal." Dia seguinte, o jornal saiu. Nenhuma linha sobre a batida.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Perdendo Dentes

Abrindo castanha no dente, sentiu algo se espatifando entre os dentes. Era, era, era o dente da frente! Aboliu as castanhas do cardápio. Optou por mangas, mas os fiapos lhe levaram outro dente. Cansado das perdas, investiu toda a grana da poupança em dentes de aço. Surpreso ficou ao notar ferrugens nos dentes. Foi enganado, não eram de aço. Mas já era tarde, o ferreiro que lhe adornou a boca com o sorriso metálico já tinha fechado as portas do estabelecimento. Teria que procurar um dentista de verdade.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Perdendo tempo

Contando segundos
Olhando janelas
Contando os olhares
Andando pisando
Pedras mudas
Que não rangem meus sapatos
Apenas alisam os solados
Que um dia me farão
Andar torto.

Perdendo tempo no ônibus

Ônibus. Descontrole total. Sorteio de cadeiras. Não se espremem mais laranjas num corredor de ônibus como antigamente. Hoje há limites. Táticas e mais táticas para se obter um assento. Vale a astúcia de demarcar território, em que o prêmio é sentar e ver a vida passar. O passeio mais ingrato do trabalhador urbano.

Foda-se

Foda-se!
Mate-se!
Cale-se!
Mas
Preserve-se!
Hidrate-se!
Beba mais um gole desse maldito vinho de mesa.
E eu que pensei que vinho era das uvas.

Na tevê

Quero te ver
Na tevê
Sorrindo, cantando,
Tossindo, peidando,
Um só minutinho
Ali no cantinho
Dormindo, pedindo,
Falando, cantando,
Mas não me faça
Perder mais tempo
Do que um comercial
De sandália e cerveja
Onde a bunda
Abunda.

sábado, 22 de março de 2008

Amor a prazo

Juro que te amo
Tantas juras te fiz
De coração aberto
Não me despreze
As palavras
Escolhidas com
Tanto carinho
No final das contas
Meu amor será
Maior que os juros
Do teu cheque especial
Te juro!

sexta-feira, 21 de março de 2008

Juntando moedas

No bolso do casaco junto moedas. Dia chuvoso. Porta aberta. A promoção de romances não me atraem. Percorro as estantes em busca de algo velho no sebo empoeirado. Nada como literatura latino-americana, porém nada pop. A última experiência não foi satisfatória. Deixarei de lado argentinos e chilenos. Quero algo novo. Algo mais peruano, colombiano. Acho um García Márquez bem desgastado, as moedas não dão nem pra capa. Apesar de velho, o livro ainda está na moda.

Roteiro e Trilha

Feliz Ano Velho no ártico revoltou minha receita de leitura, de audiência. A velocidade é diferente no roteiro e na música. Os macacos foram até minha caixa de livros e trouxeram um pouco de literatura barata. A intenção de se fazer uma combinação de letras, planos e canções é mais rock'n roll do que se imagina.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Morro

Subidas rápidas
De sacolejar o esqueleto
Montado num ônibus
Cavalgando pelo asfalto
Subo morro
Desço morro
Passeio por vales de pedras
Entre outros animais
De duas, de quatro rodas
Belo Horizonte de avenidas
De morros e prédios
De encostas forradas
De gente
De favelas
De aglomerados
Não tenho hora pra voltar
Mas um dia, sem volta,
Só quer dizer uma coisa:
Morro.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Aquilo

Em volta do todo
Há nada
Dentro de nada
Pode haver tudo
Mas aquilo que
Se espera
Não se compra
A la carte.

Na canela

Entrou em campo cumprimentando todos que via pela frente. Sua especialidade era: chute na canela. Saiu avermelhado pela figura de negro que também recebeu um singelo beijo de bico, de bico de chuteira.

terça-feira, 18 de março de 2008

Onda Sonora

Rock de rachar o coco
Batedeira de fazer bolo
Bossa nova de ninar
Travesseiro de meninar
Blues de buscar
O que se perdeu
No ônibus que
Leva de lugar algum
A lugar nenhum
Rádio que reproduz
Mas não conduz
O gosto doce de ouvir
Apenas o gosto amargo de mastigar.

Tempo

Passado
O tempo
Presente
Pensou no
Futuro

segunda-feira, 17 de março de 2008

R.G.

10 dedos sujos e 1 foto de alguém que não você. Sem barba, cabelos penteados, retrato de comercial. Sem pai, com mãe. Naturalidade: 1 lugar que nunca viu. 3 estados, 4 cidades. Alguém vai reconhecê-lo quando analisar o seu rosto a partir de um 3x4? Alguém vai pedir-lhe que repita a rubrica para confirmá-lo? E a digital? A única estampada das 10 que o papiloscopista preservou no R.G.? Alguém terá o trabalho de identificar semelhanças? A partir de agora, você só é alguém munido deste documento.

sábado, 15 de março de 2008

Chuva

Intervalo de tempo
Entre uma gota
E outra
Nada me diz
Que fará sol.

Onda Pop

Mala Onda pop
Artigos comerciáveis
Literatura juvenil
Satisfaz a leitura
Mas os intervalos comerciais
Parecem infinitos
Como infinitas
Foram as impressões
Do protagonista
No sentido circular
De repetir o nada
Diversas vezes
Com a expressão:
"Estou de saco cheio".

quinta-feira, 13 de março de 2008

Feio Bonito

Conversa com o espelho:
- Não é querer me gabar, não, mas eu sou mais bonito que a média. Que média? Ora, que média... 93 milhões de brasileiros, com certeza, não devem ser mais bonitos que eu.
Resposta do espelho:
- Nusssss... tá se achando, meu! Ah, e nem vem... se me quebrar a cara, além de feio vai ser azarado... sete anos, fio, no mínimo!

quarta-feira, 12 de março de 2008

Passa limão

Década de 1990. Eu tentei olhar diretamente o eclipse, no que me explicaram milhões de coisas das quais não lembro. O que ficou é que poderia ficar cego. Usando espelho, você "vê" o negócio na parede. Não tem graça, pensei. Fui na mercearia e roubei um limão. Ia ver o eclipse de qualquer maneira. Aí você me pergunta: pra quê o limão? Plano B, rapá! Se algo der errado, eu passo limão nos olhos e justifico a cegueira...

terça-feira, 11 de março de 2008

Ladrões

Ao caminhares pelas ruas amontoadas de pessoas
Sentes a carteira no teu bolso, o relógio no teu pulso
E observas os olhares lançados, pois estes são sinais
Sinais de que algo se aproxima
Quando veres, já estarão longe
E tu sem nada, sem um puto no bolso
Sem hora para voltar
Se tiveres sorte, ainda terás vida.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Cama II

A cama se move
À noite
E ao amanhecer
Procura
Ela estará na
Outra margem
Do quarto
Saindo pela porta
Ou pior,
Pela janela.

Cama I

A cama que range
À noite
Range de dia
Mesmo sem atividade
Mesmo sem a presença
Dos dois

sexta-feira, 7 de março de 2008

Autorização para escrever demais

Senhor escritor, a Sociedade Belorizontina de Parcas Letras vem por meio desta informar que autorizamos o uso de mais palavras que não lhe caibam no instrumento e objeto de seu trabalho. Sendo assim, encaminhamos uma lista de palavras, preposições, adjetivos e substantivos que poderão lhe ser úteis na elaboração de trabalhos intelectuais - ou não -, de foro público - ou privado - que se oriente pela Língua Mãe Portuguesa.

Pensamento: demais orientado não é bom.

Oi

Comé que tatu?
Eu vô bem.
Comé que vaiindo?
Eu vô beem.
Comé que cê some?
Ele sumiu? Acho que não!
Inda tá no meu alfabeto.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Mala Onda

Tá caminhando
Via postal
Nada de Baixo Astral
Prefiro o original
Mala Onda
Semana que entra
Inicio a ronda
A caixa do correio
Vai cansar de mim.

Justiça

É
Justiça
É
Justiça
É
Justiça
É
Se não fosse,
Injustiça
Seria
Mas
É
Justiça
É
Justiça
É
Justiça
É

quarta-feira, 5 de março de 2008

Sebo cibernético

Estou aguardando uma boa notícia
Esse negócio de percorrer sebo
Pela internet, consultanto pedido,
Indo ao banco, retornando à caixa
De e-mail e vendo que o prazo
De pagamento não foi honrado!
Se fosse sebo de rua
Tava na mão.
Reativei o pedido
Vamos ver a quantas anda
Porque espero Mala Onda
Pelo correio
Feito menino
Esperando Papai Noel.

Pedra-Palavra

Algumas pedras para quebrar
Em dias de sol
Em dias de chuva

Algumas mudas para plantar
Em dias de sol
Em dias de chuva

Algumas músicas para cantar
Em dias de sol
Em dias de chuva

Algumas palavras para escrever
Em dias de chuva
Porque em dias de chuva
Os textos saem mais enxutos.

sábado, 1 de março de 2008

Companhia Aérea

Deveres do viajante:
Pagar
Esperar
Calar
Não chegar
O contrato não diz, mas
Em tempos bicudos
Se não ouvir
E corrigir
As falhas,
Não haverá passageiro no próximo vôo.
O direito de ir e vir é pra quem tem dinheiro
E paciência.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Retrato 3x4

Olhos vermelhos, cabelo oleoso, sorriso fechado, pele ressecada pelo sol. Sessenta anos no corpo de quarenta. Tarefa ingrata de limpar a sujeira dos outros. Varrer sobre o asfalto onde a temperatura em dias de verão é maior do que o termômetro aponta. O uniforme laranja - cor da sabedoria - destinado a quem tiver primeiro grau completo. Não sei o que é pior: o dia ou a noite. Sem o sol, além de escovar as migalhas e papéis, o sujeito tem de desviar de filhinhos e carrinhos de papai.

Momentos de Paixão

Entrou pela porta
Saí pela janela
Um caminho de passarinho
Içando vela
Surfando na porta
Buscando aconchego
Buscando carinho
Trouxe as flores
E o docinho
Espero que goste
Só restou um
No caminho comi os outros.

Televisão

- Ridículo! Ridículo! Ridículo!

Ele só sabia expressar isso da minissérie que se pretendia histórica. Diálogos vazios. Personagens vazios. Atores, idem. Dizia: - Se o cara é gay, porra!, bota ele numa cena dando uns amassos em outro cara, caralho! Não me vem com essa de "sou gay, Eduardo...".

Pra ele televisão é imagem, não discurso. Se ele quisesse uma leitura, pegava um livro e se satisfazia com descrições de cenas homossexuais mais explícitas do que esperar isso de uma missérie que peca pelo pudor.

Problemas de estudiosos de cinema. Não conseguem se divertir vendo televisão.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Foice

No hospital
O fascista
Seus últimos
Segundos de vida

Na porta
A senhora

Ação!
Martelada na cabeça
E foice na goela

Só pra garantir
Que do coma
Não sairia
Para ordenar
Mais uma surra nos estudantes.

Dívida

Sujeito me roga uma esmola. Passo batido porque ando às turras com minhas dívidas. Água, luz, telefone, aluguel, impostos, cartões, cheque especial, empréstimos. Vida de trabalhador não é fácil. Um centavo aqui, outro ali. Amanhã, quem tá na calçada pedindo esmola sou eu. E, se o pedinte for Deus fazendo seus joguinhos, perdo-me, mas quem dá o que não tem fica no lugar de quem pede.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Terapia da Palavra I

Entocado. O fio da navalha. Sentimento do dia anterior ainda mal explicado. Mudanças bruscas de humor me fazem virar animal. Risadas descompassadas, sinal de que algo não está certo. Uma nuvem negra que desce sobre minha cabeça e me deixa atônito, paralisado. Mudanças de humor fazem parte de minha vida, coisas de criança, coisas de adulto. A religião me parece o caminho para a cura, mas a descrença às vezes me é tão salutar que esqueço do apego à Figura de autoridade onipresente e onisciente.

Essas sutilezas não são bem absorvidas em ambientes objetivos como o do trabalho, por isso eu fico entre a cruz e a espada, do siêncio e da cumplicidade. Fraqueza é perda sempre. Nunca vai ser vista como algo permissível. Será sempre objeto de correção, de controle. Mas é no descontrole de nossas emoções que conseguimos captar ajustes psicossomáticos. Desvios de personalidades que não são. Apenas personalidade, sem desvios. Características de uma subjetividade alimentada com a reclusão reconfortante.

Este texto não é poesia, haicai, muito menos um miniconto. Apenas um grito. Primeira sessão da Terapia da Palavra.

Sono

Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete

Questão de Segundos

Na esquina, tem dez minutos que ela estava atrasada. Ele, parado, começou a olhar o relógio. A patrulha passou, os fardados só observando. Ele andou - para aquecer o corpo - olhando o relógio novamente e no vidro retrovisor viram que ele olhava o relógio. Questão de segundos. Quando ele a viu, saiu correndo em sua direção. A bala estilhaçou sua coluna. Na imprensa saiu: "Preto parado é suspeito, andando é perigo, correndo é ladrão". - Palavra de um preto, disse o repórter ao editor. O oficial era preto como o namorado que esperava a guria.

Dieta do Vento

Vou começar amanhã. Vento de manhã, de tarde e de noite. De madrugada, não, porque de madrugada eu como palavras, mastigo pontuações e digiro experiências mal explicadas que só fazem parte do minha mente. Então, a partir de amanhã, eu começo uma nova vida. Só a partir de amanhã. Hoje ainda levo essa vidinha cercada de abuso de açúcar, carboidratos e dessa altivez sedentária. Mas daqui a pouco chega o amanhã e ele não será mais o amanhã. Será o hoje. E o hoje é difícil de abandonar. Mas amanhã...

Depois da meia-noite

Se você não dorme,
Pensa besteira,
Escreve besteira,
Sonha besteira.

Quando olha o reflexo
Pela manhã,
Vê que virou uma
Besteira.

Escova a besteira
Do dente,
Penteia a besteira
Do cabelo

E sai pra rua

Pra fazer o quê?

Poesia.

Viver é uma besteira
Perto da poesia
Que é andar sem rumo
Cantar desafinado
Olhar uma falha no espelho
Por minutos intermináveis.

Quando eu parar de viver
E voltar a notar essas coisas
Volto aqui e paro com essa
Besteira de escrever
Algo que ninguém vai ler
E se ousar ler não vai me dizer:

- Que besteira! Vai capinar uma roça!

Outrora

Aurora se foi, levou Graça e Esperança. Última vez que a viu, tava na estação. Ela foi embora, mas deixou o trem parado no olhar de um homem dependente do álcool, amante da cachaça, que brincava com faca no berço da menor que sorria tocando com o dedinho a ponta da lâmina, olhinhos pequeninos que nunca vão conhecer quem um dia foi seu pai.

O Espaço

O espaço entre pessoas
Diferentes
Se preenche com
Miudezas
Se completa com
Indiferença
Se alterna com
Ódio
Inveja
Rancor
E uma pitada de falta-do-que-fazer-da-vida

Receita para morrer infeliz, esquecido, sem a menor capacidade de dizer:

- Putz! Que merda que eu fiz da minha quase-vida!

Carteira Assinada

Trabalha
Trabalha
Descansa
Trabalha
Descansa
Trabalha

Morre.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Passagem

Ponto
Sinal
Degrau

O ato de tirar dinheiro do bolso
E aguardar o troco
Antes de passar na roleta

Passagem
Assento
Viagem

O ato de olhar pela janela
E não ver quem está sentado ao lado
Antes de descer do ônibus

Sinal
Porta
Degrau

O ato de sair
E esquecer o guarda-chuva
Antes de se molhar

Surpresa

A viagem foi mais longa
Do que o esperado
Mas como se espera
Estando em movimento?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Ele tava ali parado 2

Voltei armado
Dez contos na carteira
Levava ele e mais outro
Devolveram na estante
Explicação dada
Saí com dois exemplares
Ele e o Puig
Antes da pergunta,
Digo-lhe:
- Ele, Mário Prata.
O Puig vou esconder no guarda-roupa
Será meu refém.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ele tava ali parado

Esperando que o levasse
Olhei dentro da carteira
Dinheiro nenhum
A pergunta:
- Vocês aceitam cartão?
A resposta:
- Não.
Mandei reservar
Subi a rua em direção ao shopping
Lá o livro é caro
O caixa eletrônico não tinha dinheiro
Eu também não
O horário do almoço tava acabando
Eu voltei pro trabalho
Deixei ele lá
Sem dar satisfação
Onde já se viu não aceitar cartão?!?!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Falta do que fazer

Me cansa a cabeça
Me mói o pescoço
Me dói a panturrilha
Me causa um calafrio na espinha
Levantar
Nem pensar
Deitado
Pra pensar
No que fazer quando cessar
A dor
De não fazer nada.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Livros

Livros fechados em caixas. Preciso rever esse armazenamento. Porque livro fechado não tem sentido. Mas, não tenho estantes para guardá-los. Não tenhos instantes para abri-los. Verificar se as palavras ainda estão lá, entre as páginas 5 e 278. Tomando como média do ano passado, estou em dívida com os livros. Que as traças não os tenham devorados.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Controle

O olho vê
A cabeça sente
O coração bate
A perna dormente
Deslique a tv
E vá ler um livro.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A pedra

Bateu n'água
Respingo seco
Escorreu no pescoço
Arrepio