sábado, 26 de julho de 2008

Fogaça e os malas

Voltava do trabalho, esgotado. Não tinha um puto no bolso além do bilhete do trem. Jornal popular debaixo do sovaco, remela no olho. Fogaça era operário no norte da cidade, morava no sul, mas não conhecia o centro. Nem a zona do baixo meretrício perto da rodoviária. Só andou por aquelas bandas quando desembarcou vindo do oeste. Roubaram seus bagulhos e demorou uma semana para encontrar um teto. Seu nome, Fogaça. Amou Marlene, que lhe deu pousada. Está voltando para os braços da amada, cabeleireira. Ele pretende levar Marlene para o oeste. Não gosta da cidade, do povo. Não gosta do clima, das ondas de calor. Só pensa em voltar para casa. Esta noite não vai tomar banho. O chuveiro elétrico queimou. Por isso, não se move mais rápido. Controla a temperatura do corpo. Se suar, fede. Se feder, Marlene não se atreverá a amá-lo esta noite. Chegou na estação, rompeu a borboleta e esperou. Já era tarde. Na estação, ninguém. Depois de um tempo, chegaram outras pessoas, três. Fogaça deduziu, em silêncio. "Lá vem os malas". Pediram fogo. Fogaça disse que não fumava. Perguntaram as horas, Fogaça não tinha relógio. Perderam a paciência. Fogaça perdeu a vida. Vida de operário é assim. Vive para trabalhar, trabalha para viver. Quando se vê numa encruzilhada, morre. A viúva, de desgosto, muda-se para o oeste, para onde o finado pretendia levá-la. Lá descobre que a vida não vale mais a pena e se atira no rio. Não sabia nadar. Só sabia amar. E cortar cabelos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário