quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Suando frio no coletivo

O coletivo iniciou a jornada na hora errada. O caminho estava livre até as comportas da Antônio Carlos. Obras. Estão alargando a calha da rua, sua bitola. O transporte coletivo me faz suar frio às vezes. Olhando outras naus passarem ao lado, individuais, cortando caminho, furando o bloqueio da sinalização rubra, cor de sangue, eu suo frio. Vontade de descer e furar todos os pneus daquelas canoas que impedem a passagem de minha embarcação, maior. Não desço. Vejo que outras embarcações grandes se amontoam na rota interna do canal de asfalto. Assim o trabalhador segue seu rumo torto e lento por entre rios do sudeste brasileiro. Mais perigosos que os rios de piranha do norte. Mais perigosos que o pantanal brasileiro. Não sei o paraguaio. Eu suo. Já tentei ler um pouco, ficção, relatos, biografias. Cansei. A rotina diária do trabalhador, a estafa. Estofadas estão as poltronas nas canoas. Nos coletivos são placas de plástico ou almofadas carcomidas. Já entrei em ônibus com cheiro de mijo. Aí eu me pergunto: - Porra! Caralho! Essa cangalha joga o mundo pela janela! Por que não mija também fora dessa bacia?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Eu minto

Flamingo. Eu minto. Omito. El mito. Traduzido. Eu esqueço. Eu forço. A memória? É. HD. Mole, nada. É dura. Eu minto. Omito. El mito. Esperanto. Eu digo. Reforço. A memória? Não. Temporária. Apagada. Reduzo. Eu acho. Talvez. Não sei. Eu minto. Omito. El mito. O quê? Eu surto. Eu surdo. Eu mudo. Vou a pé para o trabalho e digito tantas coisas inúteis que esqueço o sagrado. O safado. O tratado de vida ociosa que redigi outro dia durante a sesta. Era sexta. Eu minto. Omito. El mito. Cadê? Eu sei. Vergonha na cara dos outros é troféu. No oriente longe há véu. Céu. Créu. Beleléu. E a casa do caralho? Eu minto. Omito. El mito. Fim.

domingo, 27 de setembro de 2009

Um morto não diz nada

Ele foi feliz. Enquanto roubava velhinhos, velhaco. Um dia apareceu um da reserva. Não entendeu. Na linguagem do futebol o da reserva era sempre mais perna-de-pau que o titular. Afinado. Era o cano gelado do revólver. Uma bala no bucho em sentido vertical até atingir as têmporas. Não deu. Vazou na vértebra cervical. Aqui jaz um bandido. O velhinho fez a feira. Sacou todo o dinheiro do defunto. Tinha dinheiro até nos sapatos. Uma navalha no bolso. O resto era só conversa. Lábia. Não deu. O velho era militar aposentado.

Mouco

Ruído. Guitarra. Pedal. Surdo. Mouco. Falante. Reverbera cada instante. Sobe e desce morro. Quase morto. Quase morro. Ladeira. Talvez. Eu vejo a luz no fim do túnel. Ela retorna através de espelhos. Carros. Farol. Paiol. Estrondo. Bateria. Baixo. Baixa. Atarracada. Agarrada. O som. O ruído. O eco. Eu toco a parede. O som descasca no tato. Rock. And. Roll. Eu desligo o MP3. Descarrego outras músicas. Surdo outra vez, mas não a última.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Quebrando pedra na penitenciária

Roubou, matou e estuprou. Foi quebrar pedra no presídio. Surpreso, questionou. Isso não se faz. Não se fazia. Agora, é desse jeito. Outra coisa. Quebrar pedra é só de manhã. À tarde o trabalho é outro. Vai capinar a beira da estrada, pintar meio-fio e limpar lote baldio. Antes você roubava, matava e estuprava e ficava por isso mesmo. Aparecia com bom comportamento pós-julgamento para sair com 1/6 da pena. Coçava o dia todo. Recebia visita íntima. O diabo a quatro. Hoje, não. Vai trabalhar. E só sai se trabalhar muito. Se matou, a coisa é pior. Vai ficar a vida na prisão. Tirou a vida de uma pessoa, e não foi em legítima defesa, vai passar o resto da vida na cadeia, trabalhando. Desviou dinheiro do INSS, da Secretaria de Saúde, das obras públicas? Vai trabalhar na prisão até todo o dinheiro desviado retornar aos cofres públicos. Vai demorar? Quem mandou roubar do povo? Vida fácil é roubar? Pois vida difícil é trabalhar. É a lei da compensação. Estuprou? Vai passar o resto da vida recluso, numa solitária, costurando bola de futebol. Estuprador, dizem, não tem correção. Se não tem correção, não permitimos que retorne à sociedade para cometer o delito outra vez. Impunidade é uma coisa que a população não deveria deixar barato. Tem juiz que manda soltar quando existem provas cabais do crime. Então, coloca ele, o juiz, no lugar do outro. Funciona assim. Você confia tanto no sujeito que libertou, que ele te pagou propina para ficar no lugar dele. Prisão remunerada.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A saga não terminou...

Um boato se espalhou no centro de BH e Contagem. Dizem que o matador está morto. O autor seria um menor, filho de um defunto.The end? No way. O matador hiberna em pleno verão na Cidade Nova. Os malandros não perdem por esperar. Um 38 em mãos ágeis não permitirão a propagação de tal calúnia. Ele se esconde na sombra da noite. Conhece o rumo do vento. Ainda vai dedicar muitas lápides.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O troco do mendigo

Na esquina da Tamoios com a Curitiba, o mendigo esperava o seu antagonista. O canivete enferrujado mantido em mão guardada no bolso. Aberto. Um golpe rápido. Perfuração lenta. Pensava retorcer o instrumento na barriga do estranho que pilhou suas riquezas na rua de cima. Aguardou na esquina. Sabia o horário. Estava no local certo. De longe, o opositor viu a bolsa encardida balançando na porta da pastelaria. Seria o dia do troco, pensou. Eu vou à forra. Olhou de beirada para ver se ele vinha. Antes que piscasse, um movimento brusco rebentou sua perna. Uma mão fechou-lhe a boca. O algoz encenou um reencontro de amigos enquanto o golpe entrou no alto do quadril e desceu quase até o joelho. Além de ladrão, é burro. Da próxima vez que armar tocaia troca a roupa e esse saco. Eu vi essa porcaria de longe. Agora, bico fechado. Quando eu tirar essa lâmina da tua perna, tu vais caminhar até esquecer essa pendência entre nós. Manco, agora é que tu vais tirar um bom troco dos idiotas. Dá mais realidade à tua vida miserável.

sábado, 12 de setembro de 2009

Ladrão rubro-negro

Saindo do boteco do Japonês, em luto, fui abordado por um sujeito. Ladrão sente o cheiro de outro ladrão. Ele queria a féria que surrupiei do falecido. Trajava uma camisa rubro-negra. Vinha de bicicleta. Usava agasalho no calor. Eu já sou macaco velho. Essa história de mão apontada por dentro do bolso de agasalho eu aplicava na região norte quando menino. Ele veio deslizando na minha direção. Eu subia e descia o meio-fio fingindo não saber da abordagem. No que ele engatilhou o dedo, eu me virei e mandei duas no peito e uma na cabeça. Se tem uma coisa que não admito é que venham me roubar em plena véspera de Corpus Christ. Peguei a bicicleta do infeliz e saí pedalando. Presente pro meu filho.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Um sonho distante da capital

Eu sonhei que morava no mato. Havia um riachozinho e muitas árvores. Eu sonhei que não precisa de máquina para me locomover, me comunicar, me satisfazer. Eu contava pedras no caminho. Pedras pequenas e grandes. Construía uma história diferente da escrita na capital. Longe da fumaça e do barulho industrial, eu sentia melhor a brisa no rosto. Eu colhia o que plantava. Eu comia o que colhia. Diferente da capital. Eu gostaria de ver a paisagem sem olhar no relógio. Eu gostaria de sentar à sombra de uma árvore. Na capital há muitas árvores, mas não tão frondosas e silenciosas como no interior. Eu tenho um sonho que de vez em quando volta para me assombrar. Um dia a capital será o meu pesadelo. Os ruídos da cidade que não para entrarão em minha cabeça quando recostá-la ao travesseiro. Não estarei mais na capital. Estarei distante, mas tão perto, que um zunido de abelha parecerá de um caminhão de entulho.

domingo, 6 de setembro de 2009

As pedras de gelo se recusam cair

Estava previsto: pedras de gelo cairiam este final de semana. Granizo. Não me digam granito. Meu ouvido não é penico. Nos carros muitas colchas e papelão. Proteção. O calor, o feriado. Tudo conspira para dar errado. Eu fico na janela esperando as primeiras pedras caírem. Programei meu descanso para ver as pedrinhas destruírem algumas vidraças, alguns para-brisas, alguns passarinhos que teimam em defecar no para-peito, mas as pedras de gelo se recusam cair.

sábado, 5 de setembro de 2009

.38

Com a grana da última apropriação resolvi comprar outra arma. Sugestão do Japonês. Parceiro de hospício, ele também aplica uns golpes. Antes dele viajar para o Corpus Christ, eu fui até o boteco dele bebericar um pouco. Cheguei com a arma na cintura. Realmente, como ele mesmo disse, o trabuco não faria tanto volume assim. Conversamos até o estabelecimento fechar. Escorei no balcão e derramei a arma na frente dele. Ficou ali olhando. O cara era tarado por armas, mulheres, carros etc. Ele quis tocar no ferro, mas eu peguei o 38 antes e apontei para ele. Sorriu, perdido. O tiro vazou o olho esquerdo. Saquei toda a grana do caixa e desci a porta de metal. Colei um aviso. "De luto."

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Esperando o troco

Eu tenho coração, mas o cara me pediu apenas um real. "Um real, senhor.", ele disse. Eu entreguei dez reais na mão dele e ele sorriu vazio - não tinha nenhum dente na boca - e agradeceu. Eu fiquei lá, parado na frente dele. Insistiu no agradecimento, com mais ênfase na palavra "Deus". Que esperava o meu troco foi o que falei. Espantado, ele me questionou com os olhos. Retruquei com os olhos também. Bufou. Eles sempre bufam quando são contrariados. Parecia que não tinha troco. De repente, abriu uma bolsa. Resumindo o conteúdo que eu consegui enxergar: 1) um celular (melhor que o meu); 2) um relógio digital japonês (eu tenho um analógico de 30 contos); 3) uma dentadura (não preciso explicar); e um maço de notas (de fora para dentro, notas de 50, 20, 10, 5 e 2 reais). Separou o dinheiro rapidamente, como um caixa de banco bem experiente. Em menos de cinco segundos tava eu parado em frente a um farsante com nove reais na mão. Puxei minha arma e falei: "Passa tudo pra cá!". É, eu tenho coração. E uma calibre .22 para o caso de encontrar um marginal no centro da cidade.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Telefone mudo

Esperou alguns minutos. Saiu de casa para encontrar um sinal. Retornou mais vermelho do que saiu. O telefone estava mudo. Afinal, para que pagava suas contas em dia, se não conseguir usar o telefone celular? Procurou a Ana. Garantiam que ela podia ajudá-lo. Não ajudou. Do outro lado da linha só ouvia embromação, a mesma que ele próprio já ouvira. Não davam muita trela para ela. Não demonstrava muita autoridade. Quando digo "Ana" me refiro à Anatel, aquela agência governamental, uma das tantas criadas no desgoverno daquele ex-presidente, um daqueles "fernandos" que desocupou o governo enquanto desgovernava o país. Ainda dizem que a telefonia melhorou. Não sei onde. Deve ser na África, com ajuda dos chineses. Estes vão dominar o mundo. De um jeito ou de outro. Estão exportando gente. Antigamente eu só via japoneses nas ruas. Hoje tem mais chinês no samba. Um fato interessante é que eles entram no Brasil e não falam uma palavra sequer. Eu vejo alguns no centro. Eles caminham de cabeça baixa. Nunca abordei nenhum. Talvez seja preconceito meu. Quem sabe eles falem melhor o português do que eu. Talvez sejam de Macau. Talvez possuam telefones celulares que funcionem. Eu, não. Continuo com meu telefone mudo, ouvindo a velha embromação da empresa de telefonia Oi, Telemar, Tele Norte Leste.