quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Um copo de cachaça

Ei, chegado! Dá uma grana aí? Não. Muito obrigado. Não quero comer, não. É prum copo de cachaça. Tô de barriga vazia, sim, mas não é o caso. Eu preciso é de beber. Um real, chegado! Não vai te fazer falta! Eu? Não, senhor! Trabalho, não! É a conjuntura, sabe? O quê? Como é que eu sei o que é conjuntura? Eu não sei, não. É que falam tanto na tevê da minha tia que o problema do desemprego é por causa da conjuntura que eu gravei isso aqui na cabeça. Não. Minha tinha não me deixa beber. Ela é crente, saca? Ela ainda acha que eu sou virgem. Eu bati um lero com ela outro dia e ela me falou que quando eu casar eu vou poder ter relações sexuais com a minha esposa. Só depois de casar. Eu? Não. Eu não sou virgem mais. Minha tia? Não sabe. Mas quando ela começa falar dessas coisas eu só balanço a cabeça dizendo sim. O dia que ela desconfiar que eu não sou mais virgem ela me bota pra fora da casa dela. Então, chegado, vai me dar uma grana pra eu beber? Contei a história da minha vida pra tu. Deve valer alguma coisa. Não vai nem precisar assistir a novela da oito depois disso.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

As casas de loucos estão lotadas

Ingressos esgotados. As casas de loucos estão lotadas. Não adianta subir a montanha ou descer à planície. As casas de loucos estão lotadas.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O mercado

Uns tremores surgiram na última madrugada. Madrugada abafada depois da chuva. Arrumou-se e saiu pela porta. Destino: o mercado. Olhava os produtos espalhados no chão, em cima das lonas pretas. Havia de tudo, coloridas, brancas, grandes, pequenas. Uma bebida? Impossível. Não conseguiria sobreviver a mais uma bebedeira. Precisava manter as mãos em sincronia. Dois dias depois, tem jogo no bilhar. Dinheiro alto. Precisava de algo leve e eficiente. Precisava retornar para a cama e dormir tranquilamente. Acabou desmaiando ali mesmo. Sentiu a carteira sair de seu bolso. Lutou para mantê-la, mas recebeu um golpe na cabeça e um chute na costelas. Virou-se e tentou descobrir a face do agressor. Recebeu outro golpe. Começou a expelir um gosto de sangue pela boca. O corpo não respondia. Percebeu o vulto do agressor partir. Em questão de segundos o vulto voltou. Dinheiro de malandro não anda na carteira. Recobrou a consciência. A luta agora seria de igual para igual. Simulou estar grogue ainda pelos golpes. Quando o sujeito chutou-o mais uma vez, segurou a respiração. Um golpe mal dado. O agressor abaixou-se para revistá-lo e levou uma facada na barriga. Agora, estavam em posições inversas. Levantara-se rapidamente e apreciou o outro no chão. Revirou os bolsos do infeliz e tirou seus sapatos. Pegou o dinheiro e comprou o que queria e voltou para casa. Teve muita sorte. Corpo fechado? Depende da sua crença.

sábado, 25 de setembro de 2010

Bonfim

Vivia sobre um ferro-velho. Morreu de tétano. Bonfim. Belo Horizonte. Minas Gerais.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma caneta para escrever... ou para matar.

Ele está ali, na esquina, esperando você aparecer. Vai sorrir pra você. Vai contar uma história. Vai dizer que o pai tá doente e que a mãe precisa operar. Quando você abrir a carteira, ele vai lhe roubar. Se você reagir, ele vai lhe matar. Se você correr, ele vai atrás de você até... até lhe encontrar. E ele vai cobrar os juros da corrida, como se taxista fosse. Mas não se perturbe, meu caro. Para isso, eu lhe digo: - Uma caneta sem tampa é uma ótima arma de defesa. Bem manejada pode causar um estrago em seu algoz e transformá-lo em sua vítima. Uma caneta, por exemplo, passa num detector de metais. Uma caneta não aparenta perigo para 9 entre 10 pessoas, pois é certo que 9 entre 10 pessoas não usam caneta, nunca usaram ou nunca usarão. De que modo? Do modo como estamos acostumados a usá-la. Sim. Nós. Não se esqueça de me agradecer depois que passar por essa experiência. Eu vou lhe contar uma história. Um dia, saindo de um bar da região da rodoviária, fui abordado por um infeliz. Ele pediu um cigarro. Coisa simples. Eu até daria um ao infeliz não fosse o sujeito manter no bolso da camisa um maço de cigarro fechado. Sabe o que é isso? A senha. Uma merda pode acontecer. E o que a gente faz? Isso. Saca a caneta do bolso lentamente. Desfazemo-nos da tampa com o polegar e seguramos a caneta junto à perna ou ao bolso de trás da calça. Um sorriso também é muito útil nessas horas. Desarma temporariamente o agressor. Temporariamente, porque ele vai fazer aquilo que você está pensando. Aquilo que você precisa evitar. Não esqueça de uma coisa: o golpe deve ser rápido e eficaz. Isso torna a fuga mais fácil. Não chama a atenção de algum curioso. A rua tem muitos curiosos. Algumas vezes é uma velhinha, outras vezes é uma criança. Se você for visto no uso de sua caneta deve pensar bastante se valhe a pena ou não deixar testemunhas. Na maioria dos casos, as testemunhas podem ser descartadas com um empurrão para alguma via de muito tráfego. É espalhafatoso, eu sei, mas às vezes é necessário. Se preferir, use uma caneta vermelha. Se o questionarem sobre o que seria sangue, você diz que foi a carga que estourou.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A morte do padeiro

Depois de dormir 23 horas e permanecer acordado pelas últimas 9 horas, ele foi à padaria. Não havia pão, só uma padaria jogada às traças, aos fungos. O padeiro puxou uma baguete para defender-se, mas o estranho foi mais rápido e acertou-o com um pão careca mofado. A morte foi lenta. Nunca mais, o padeiro vendeu um pão naquela cidade. Os consumidores aplaudiram a iniciativa do estranho, mas sua imagem não conseguiu ser registrada pelas câmeras das equipes de televisão que foram ao local. Nem do circuito interno de tevê da paderia, conseguiram alguma prova do incidente. Alguém esquecera ligar o gravador de imagens. A morte profissional, muitas vezes, leva à morte física. O padeiro mudou de profissão, virou cabeleireiro. Anda com um caderno de recortes debaixo do braço. Entre fotos de personalidades, das quais copia os cortes de cabelo, alguns registros sobre aquele dia. Ele sobreviveu.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Fast-Food, Slow Shit

Os dias andavam muito parados. Nenhum vagabundo para roubar. Você diria: "Mas tem muito otário por aí!". Realmente, isso não falta em Belo Horizonte. Só que não posso sair por aí e dar uns golpes em qualquer um. Tem muito trabalhador aí, com conta para pagar, com filho pra nascer, com mãe doente no hospital. E o que eu faço nessas horas? Seleção, naturalmente. Eu fico de mutuca nas esquinas. Outro dia, por exemplo, eu saí da pastelaria do Chico. Os melhores pastéis do Centro. Eu não falo isso pro Chico porque ele vai querer aumentar o preço do conjunto de pastéis com caldo de cana. Então, saindo de lá, ainda tirando aquele óleo do beiço, um playboy me deu uma cotovelada. O sujeito, de mochila nas costas e óculos escuros, olhou pra trás e soltou um: "Olha por onde anda, filhodaputa!". Surpreendente isso! Ele tirou a frase da minha boca. Se eu não tivesse ainda limpando aquele beiço besuntado, eu tinha sido mais rápido do que ele. Mas não foi o palavrão que me mordeu, foi o sorrisinho de canto de boca que ele soltou. Aquilo ligou o meu sistema e eu fui atrás dele. Desceu a Amazonas e foi dar lá naquele fast-food da Praça Sete. Esperei o infeliz lendo os jornais da banca da Carijós. Quando o malandro saiu do estabelecimento com os pacotinhos de hambúrguer, eu fingi abaixar para amarrar o sapato e dei um furo no pé dele. Ele gritou, mas eu levantei rápido calando o infeliz e mandando o recado com lábio sujo ainda do pastel: "Da próxima vez, meu chegado, não vai adivinhando a profissão da minha falecida mãe em voz alta, não. Passa aqui esse negócio!" Deixei o moleque parado lá, na surdina. Uma pena eu furar o pé dele com uma tesoura. Aquele tênis ia ficar legal no meu pé. O sujeito nem experimentou o bagulho com fritas. Como é que se diz? "Fast-food, slow shit."

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O marginal

Um sujo na praça me parou pedindo dinheiro. Um cão se coçava e mordia o corpo em busca de pulgas. Mexi nos bolsos e não encontrei nenhuma moeda. Não ia abrir minha carteira ali naquela praça. Nem morto. Balancei a cabeça de forma negativa. O sujo insistiu. Eu vasculhei os bolsos de trás e nada. Balancei novamente a cabeça de forma negativa. Ele insistiu novamente. Olhou para minha carteira, a qual manuseei à sua frente enquanto vasculhava os bolsos traseiros de minha calça. Eu balancei a cabeça e ele não gostou daquela última balançada. De repente, senti um bafo quente no pescoço e quando me virei vi outro sujo atrás de mim. No giro que eu dei, o primeiro pegou minha carteira e a abriu rapidamente. Não havia dinheiro, para o seu descontentamento. Não sei se era por causa da cachaça, ou por causa do zero à esquerda que me mostrei por não apresentar nem uma nota de dois, mas comecei a pensar em fugir dali. Não costumo fazer isso. Mas, num ambiente como aquele, não é bom arriscar nossa honra. O sujo do bafo quente sacou uma faca de descascar laranjas. Como não vi nenhuma por ali, comecei a me preocupar. O primeiro sujo jogou minha carteira no chão e voaram vários papéis na calçada. Um deles se destacou. Era um cartão branco com letras vermelhas. Um às de copas ornava o canto superior esquerdo do cartão. Pelo visto, aquele sujo não era analfabeto, pois além do símbolo do carteado, ele reconheceu o que estava escrito. Vi o suor surgir em sua face. Os olhos dele começaram a pulsar e ficaram vermelhos. Logo, logo, um grito sairia de sua garganta. Antes que pronunciasse aquelas palavras, eu avancei em sua direção, saltando o meu braço direito em seu pescoço. "João Carlos, matador." O outro sujo tentou correr, mas o giro de perna que eu dei foi o suficiente para impedir o seu progresso em direção à rua. No meio da praça eu terminei o meu serviço. Não queria mais fazer aquilo, mas fui impelido a matá-los. Trabalho gratuito. Enquanto eu arrumava os papeis em minha carteira, o cão ainda se coçava e mordia o próprio couro em busca de pulgas.

domingo, 5 de setembro de 2010

Pobre Opróbrio

Desonra é seu sobrenome. Opróbrio Desonra, o seu nome. Rico de vícios. Pobre de ideais. Vendido na feira ao lado da laranja e do abacaxi. Alçado às capas de jornais de final de semana. Opróbrio Desonra tenta ganhar um troco com a venda de artigos e colunas. E sua pequena auto-biografia escrita pela esposa, socialite nas horas vagas. Tão vagas que tornaram-se longas jornadas de trabalho. Sai às nove da manhã e retorna no dia seguinte. Bate cartão após cartão. Vende sorrisos e o corpo para içar o marido a fato mais quente da semana. Relações públicas. Assessora de imprensa. Vende o bacalhau na semana santa e nas semanas seguintes até o Natal. Pobre Opóbrio. Desonra é seu sobrenome. Sua mulher não tem nome, mas está na mídia todo santo dia e em dias não santos também.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Diálogos perdidos no vento

Direito de falar direito
- Ei, você matou ontem...
- Matei, sim. E se abrir o bico, te apago!
- ... a aula de Direito Penal.

O último diálogo
- Aonde você vai?
- A sua pergunta está errada.
- Por quê?
- Deveria ser: "Quando você volta?"

Pais separados
- Nó, véi! Ontem eu peguei uma mina...
- Eu sei, moleque. Da próxima vez, respeita o horário que eu defini e traz minha filha às 10 horas da noite.
- Foi mal aí...
- Foi, sim. De outro modo, eu pego a sua mãe sábado no cabeleireiro e faço um irmão pra você. Vai querer um irmão dividindo a herança que o teu pai deixou?
- Nuss... tá me zoando?
- Dez horas?
- Dez horas!