segunda-feira, 28 de junho de 2010

Outro morto na praia

Os jornais deram a notícia logo pela manhã. Outro morto na praia do Norte. Nenhum parente ou amigo para reconhecer o corpo. Ninguém sabia a origem daquela alma. Uma semana atrás outro corpo aparecera nas areias da praia do Sul e ninguém, repito, ninguém reconheceu o defunto. Homens, brancos, cerca de quarenta anos. Um policial enviou para todos os jornais fotos dos dois. As fotos, assim que começaram a ser recebidas nas redações dos jornais, foram distribuídas para as sessões policiais. Apenas um jornalista conseguiu identificar de primeira os dois mortos. Um setorista da Assembleia Legislativa. Era novo na função. Herdara do antigo setorista um álbum de fotos com todos os deputados estaduais. A primeira coisa, dizia o velho jornalista que se aposentara, é reconhecer cada um dos deputados. "Eles são vaidosos. Se você hesitar, gaguejar, eles comem o seu fígado e você nunca mais consegue uma declaração deles." Por que os profissionais dos outros jornais não conseguiram identificar os mortos? Por que eles não conseguiram esse furo de reportagem? Simples. A imprensa só vai atrás de quem está na frente dos holofotes. Os dois mortos faziam parte do chamado "baixo clero" e mantinham no currículo uma característica própria desse ramo de políticos, gazeavam muito. Faltavam a várias sessões da Assembleia. Quando compareciam, geralmente votavam contra o povo e a favor de projetos do governador. As causas das mortes? Um mistério. Os motivos acima, se levarmos em consideração a falta de nobreza em gazetar ao trabalho no caso de políticos sob mandato parlamentar, eleitos pelo povo, ou por uma parcela da população, já seriam o suficiente para uma condenação. Talvez a pena tenha sido dura, mas talvez esse seja o preço que se paga pela traição.

domingo, 27 de junho de 2010

Ele fazia por obrigação

Sozinho, pensou se o que fazia era ruim ou bom. Não sentia prazer. Ou seja, não era necessariamente uma coisa boa para ele. Não gostava de perder muito tempo no serviço, não havia muito planejamento nesta altura da vida. Ou seja, não necessariamente exigia-lhe um certo esforço; a experiência eliminava várias etapas do processo. Olhava para o futuro sem uma vontade mórbida de saber o que lhe aguardava, nem se chegaria lá algum dia. Pediu mais uma dose de vodca no bar e saiu pelas ruas do centro tropeçando na sorte ou, principalmente, na má-sorte de alguém que o provocasse um sentimento de antagonismo. Ele matava por obrigação.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O bandido andava a pé

O bandido. Anti-social. Andava a pé, nunca de carro, de ônibus, de moto ou de metrô. Caminhava no centrão, aquele que as pessoas mais sensíveis abominam, onde o cartão-postal é uma passagem apenas de ida. O bandido andava a pé, cercando as vítimas. Multifuncional. Era assassino, ladrão, estelionatário e bicheiro. Esta última, sua profissão. As outras atividades, seus hobbies. Um crápula, dizia sua primeira mulher. Um safardana, praguejava sua segunda sogra. Meu pai, sorriam seus dez filhos. Um sujeito, uma vez, questionou-o no bar, altas horas da madrugada. "Você não dirige?" O bandido sentiu lá dentro do seu coração uma dor. Sim, ele tinha um. A dor passou assim que ele rasgou a garganta do infeliz em golpe já estudado pelos maiores legistas do país. Nunca o identificaram em várias investigações de assassinatos nas cinco regiões. Ele lamenta. Os jornais não publicam mais as fotos de suas vítimas. Era apenas um bandido que andava a pé. Foi o último comentário sobre sua passagem na terra. Morreu de velhice, no interior de Minas Gerais.

sábado, 19 de junho de 2010

Ponto morto

Eu carro, tu corres, ele morre.
Millôrando a escrita.

Aócio Greves não perdoa...

Era um político. Rejeitava todos os clamores da população. Era um administrador, acima de tudo um republicano. Agia em benefício da maioria, apesar desta maioria desconhecer tal benefício. Era uma promessa. Filho de peixe, netinho era. Um dia, a população se rebelou e correu em busca de seus sonhos. Iniciaram greves e foram para as ruas reivindicar o que lhes era negado, o que lhes era surrupiado. Outros poderes acorriam colocando juízes e policiais nas ruas, os primeiros para declararem impedimentos, como os árbitros de jogos de futebol, e os segundos para reprimirem a massa. Aócio Greves era o nome dele. Um político. Nada mais. Não representava uma categoria ou eleitores. Representava uma dinastia de políticos profissionais, administradores dos bens públicos, com muitos bens privados para administrar também.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O assassino de aluguel

Centro de Belo Horizonte. Praça 7. Dentre os cartazistas humanos, um se destaca pelo silêncio de sua figura. Não desbloqueia celular, não compra e não vende ouro, não corta cabelos, não faz orçamento dentário sem compromisso. Sentado sob a sombra da Carijós, o sujeito expõe um cartaz "Assassino de Aluguel". Preciso conferir se é realidade ou ilusão de ótica. Eu me aproximo dele para tentar ler mais informações no cartaz e não há nada além da frase, em vermelho. Você mata? - a pergunta é óbvia, mas eu tinha que fazê-la. Sim, é a resposta. Quanto? Depende. De quê? Do defunto. Parece ser profissional. Já trata o trabalho como feito. "Defunto". Um político, complemento, quanto custa? Depende. De quê? Do escalão. Senador? Bem, local ou de fora? De fora. Aí fica caro. Quanto? Só um momento. O sujeito saca o celular e começa a discutir o assunto com outra pessoa do outro lado da linha. A linguagem parece codificada. Ele olha para os lados, suspeitoso. Não sei por quê. Ele está no centro de Belo Horizonte ostentando uma placa informando que é assassino de aluguel. De que poderia suspeitar? Desliga o celular e escreve num papel o preço do serviço. Eu achava que o trabalho seria mais caro. Pergunto sobre a forma de pagamento. Ele tira novamente o celular do bolso. Eu encerro a conversa ali. Sabe, meu amigo, esquece. Eu estou vendo que você e o seu companheiro são muito profissionais no que fazem, mas essa falta de informação sua, essa falta de conhecimento do assunto faz com que pareçam amadores. Prefiro não me arriscar. Ele olha para mim e diz que é o seu primeiro dia, que vendia próteses dentárias até às 10 horas da manhã, mas que foi demitido porque perdeu um cliente na subida dos degraus do prédio onde era feito o serviço. O velho não aguentou 5 lances de escada. Morreu ali, do coração. Foi então que surgiu esse bico de meio-período, sugestão de sua madrinha. Não podia recusar. A madrinha é uma segunda mãe da gente, falou. Eu me sensibilizei com a história, mas falei para ele que eu só queria saber o que ele estava vendendo. Agora, sabendo o que é, preciso pesquisar mais no mercado. Eu vou ali na rodoviária ver quanto é o serviço por lá e, dependendo do preço, eu volto. Nunca mais voltei.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Olhando nos olhos...

O dia começou tranquilo às 13 horas. Olhou nos próprios olhos enquanto lavava o rosto. A ausência de lentes dificultava tal ação. Não poderia descrever quem estava à sua frente, no espelho. Caminhou as mãos pelo balcão do banheiro e pegou os óculos. Entrou no quarto - ou seja, saiu do banheiro - e foi atrás de roupas limpas. Uma tentativa de vestir-se do jeito que outras pessoas se vestem, pelo menos no ambiente para o qual pretendia dirigir-se. Um banco. Pretendia sacar todo o seguro-desemprego. E não gastá-lo, mesmo numa crise daquelas, mesmo na intenção de comprar mais livros para um biblioteca invisível que não possuía em casa, no quarto da bagunça. Olhando nos olhos do caixa, cometeu o seu maio delito: olhar nos olhos do outro. De repente, um alarme soou. Luzes piscaram. Ele evitou colocar as mãos nos bolsos, única alternativa que tinha quando ficava nervoso. Pensou. Se coloca, eles pensarão que é uma arma. E não era, juraria pela mãe mortinha. Estava desempregado, mas não era ladrão. Tinha escrúpulos, ainda. Apesar de não trabalhar mais. Eu vou sair daqui, pensava. Quem sabe não é comigo, continuava. O caixa devolveu o cartão. Ele balbuciou que queria o dinheiro, mas isso não era mais importante. A situação agora era outra. Olhou nos olhos de outra pessoa, profundamente. Isso não era comum. Cometeu um crime? Saiu com as mãos para os altos, uma vontade enorme de colocá-las nos bolsos. Estavam suadas. Estava nervoso. De repente, a escuridão caiu sobre sua cabeça. Até quando ele cairia nessas conspirações vespertinas? Pretendia sair dessa para uma melhor. Não cometera nenhum crime. Apenas olhou nos olhos...

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O escritor morreu

Era assim, um pouco obtuso, que escrevia pelas beiradas da inteligência. O escritor do qual estou falando - e escrevendo - era um sujeito do seu tempo, terrível tempo aquele, e mantinha distância das pessoas. Criava uma redoma em torno de sua obra. Mandava bilhetes para editores de revistas e jornais informando o andamento de seu último livro. Precisava de propaganda, de promoção, de seu nome numa coluna da imprensa. Precisava estar onde uma elite estaria, por isso gastava mais tempo nos banquetes do que debruçado sobre sua obra. Mesmo assim, era reconhecido por muitas pessoas influentes, que mal saberiam enumerar seus livros por ordem cronológica ou alfabética. No entanto, ele era sempre lembrado pelas pessoas que decidiam os rumos do país. Estava sempre em uma pré-lista de candidatos à Academia. Fazia campanha junto às mesmas pessoas que recebiam seus bilhetes acompanhados de edições antigas de seus livros. Tantas edições! Talvez não vendesse tanto. Que importa a quantidade? Ele era um escritor, um pouco obtuso, que escrevia pelas beiradas da inteligência. Morreu. Sua última obra, o próprio obtituário, foi esquecido entre os inúmeros bilhetes aos editores.

sábado, 5 de junho de 2010

O escritor fantasma percorre livrarias

Não deveria ter feito isso novamente. As livrarias não me conhecem. Os leitores não me reconhecem. A mídia não sabe o trabalho que dá escrever apenas sucessos de vendas. Ou esperam que uma patricinha da Barra saiba escrever sobre os sentimentos de uma reclusa? Ou esperam que um político profissional saiba escrever sobre a vida brasileira no século passado? Eu gostaria de saber o que os leitores acham do autor, do autor sem o conhecimento da figura denominada como autor. Eu gostaria de matar todos eles. Pseudo-autores e leitores ignorantes. Uma vez eu abordei um leitor que folheava o "meu" último livro. Na época, lançara uma "auto-biografia" de uma estrela do rock. O jovem estava entretido com todas aquelas descrições, todos aqueles diálogos. Quando percebeu que eu estava olhando, me inquiriu daquele jeito que só os jovens sabem fazer. "Qual é?" Nada, eu respondi. "Então, velho, sai fora!" E eu disse que não precisava aquele ódio, que eu trabalhava na editora do livro, e que gostaria de saber a impressão que tivera sobre o autor daquele livro. O jovem não compreendeu a pergunta e foi logo falando sobre o último disco daquela estrela do rock. Eu corrigi a pergunta e o questionei sobre o autor do livro e não sobre a estrela do rock. Ele não entendeu a pergunta. Eu forcei então uma abordagem sobre o que estava escrito, perguntei sobre o que ele gostou no livro. Ele então respondeu que gostou das cenas sobre uso de drogas, sobre os diálogos travados em momentos adversos da turnê. Eu perguntei então se o jovem saberia dizer se o que ele lera era real ou imaginação. "Claro que é real! Ele não ia escrever mentiras! Você já ouviu as letras das músicas dele?" Eu fiz uma pequena observação, imaginando que seria ali o final da conversa. Você saberia me dizer como essa estrela do rock, mesmo dopada por altas doses de álcool, cocaína e heroína, teria condições de registrar fidedignamente tudo o que aconteceu durante seus períodos de vício, em coma ou desacordado? A resposta foi um soco na minha cara. O jovem pegou o livro e foi até o caixa pagá-lo. Na volta ainda cuspiu em mim e chutou o meu saco.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Um novo nome para o blogue

Em homenagem ao texto premiado pela FEBRABAN em seu Banco de Talentos 2009, o blogue passa a se chamar Encontros Marginais. Da mesma forma como n'O Grisalho Vespertino, ao qual dei o nome de 77 pontos, optei por dar personalidade própria a'O Grisalho Noturno a partir desta data.

Um canteiro de obras

Eles vêm de outras partes da cidade, de onde não existe a chamada urbanização. Constroem casas para outros morarem. Constroem comércios para outros lucrarem. Trabalham como qualquer outro trabalhador, porém das suas mãos saem obras que permanecerão durante muito tempo figurando numa rua, numa avenida, numa praça. Eles chegam ao bairro quando outras pessoas do bairro ainda nem acordaram. Chegam silenciosos. Ao raiar do dia já estão no batente, levantando paredes sem notarem que já existem paredes que os separam das outras pessoas. A hierarquia, o poder econômico, a escolaridade. Tudo isso é colocada numa escada invisível e cada degrau é remunerado de uma forma diferente. A pirâmide do capitalismo demonstra muito bem essa realidade. Poucos nos degraus superiores comandam alguns mais dos degraus inferiores e estes acham que mandam nos demais que se encontram na base da pirâmide, quando sabemos que somente os lá de cima realmente são os mandantes. Eu fico muito triste quando vejo alguém de sol a sol construindo algo que não será útil em seu próprio benefício. Afinal, são dias, semanas e meses para que o objeto saia do papel para a realidade. E na realidade vemos que essas pessoas não são donas do seu próprio tempo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Um outro caminho a seguir

Ele tomou outro caminho. De costume, iria por ali, pelo meio da feira. Dessa vez, parece que pretendeu despistar-nos. Amador. Caminhando desse jeito pela cidade, ele vai acabar entregando todos os pontos. Um senhor, uma grávida, um jovem universitário. Quem será o próximo? Você viu para onde ele foi? Não é possível que o perdemos de vista! Estávamos tão perto dele! Ele ainda deve estar por aqui. Vamos dar outra volta no quarteirão. Ali. É ele! Vamos abordá-lo definitivamente. Eu sigo por esse lado da rua e você pelo outro. Quando eu apontar, você saca sua arma e nós o prendemos. (...) O quê? Porque você fez isso? Eu estou sangrando... Chame uma ambulância... Você... Você era o próximo ponto...

terça-feira, 1 de junho de 2010

Meio comprimido não basta!

A receita foi para o espaço há uma semana, ou mais. Hoje tentei limpar o organismo e notei a diferença. Se não tomar um comprimido todo dia, o dia se faz treva. O mau humor não se cura com meio comprimido. Meio comprimido não basta! A receita é o vício ou o vício é a receita. A questão é que o comprimido é necessário para apurar os nervos. Não sou um homem de aço, por isso os nervos também não o são. Estou mal. Preciso dormir mais algumas horas. Hoje não vou sair da cama. Notícias ruins hoje. Quem sabe boas novas amanhã.