domingo, 1 de agosto de 2010

Ignorância mata

Em troca de umas poucas moedas, ele faria qualquer coisa: "Até matar, senhor." Era assim que se expressava. Como um escravo, como uma pessoa comum. Às vezes, dizia "doutor". Mesmo não sabendo a quem se aplicava tal expressão. Qualquer pessoa bem vestida, com uma imagem de poder, de hierarquia maior, era tratada como "senhor", como "senhora", como "doutor", como "doutora". Foram poucas mulheres a lhe oferecerem um "serviço" como aquele. Lembra-se de uma, muito tempo atrás. Era rica fazendeira. Jovem. Contratou-o para matar o marido, velho fazendeiro. Casaram-se para juntar os poderes das famílias no interior de Minas. Um dia, ao sair para contar o gado, o velho fazendeiro foi surpreendido por um "assaltante", o qual levou-lhe a vida e o relógio. Um sobrinho muito curioso, tempos depois, questionou a tia sobre o relógio que ele vira em sua gaveta. "Não é o relógio do tio?" Não. Você deve estar confundindo. Quase que ela o contratou para dar cabo do menino, mas não foi necessário. O garoto morreu ao contrair raiva depois de ser mordido por um dos cachorros da fazenda. Coincidência? A questão é que agora ele estava novamente diante de um novo trabalho. Um trabalho diferente. O sujeito que o abordou na calçada da rodoviária chegou todo humilde, oferencendo-lhe um café. Encostaram no balcão do bar e começaram a conversar aquela conversa que só duas pessoas entendem. Os que passavam por ali não faziam questão de saber também do que se tratata aquele contrato de prestação de serviços. Ele fingiu não ficar assustado com a proposta, afinal era a primeira vez que faria aquilo. Aquilo era matar o próprio contratante. Ele foi diagnosticado doente mental. Dizia que a família assim o queria, para poder gastar todo o seu dinheiro. Antes que eles pudessem fazer isso, havia decidido: "Quero morrer." Programaram o dia e a forma do assassinato. O sujeito fazia questão de uma coisa: "Essa aqui morre um dia antes e esses daqui eu quero ver morrer." Ele planejara matar os dois filhos - idealizadores de sua interdição - e sua mulher. "Mulher fraca. Não defendeu seu homem nem dos filhos aproveitadores." Na véspera de sua morte, à noite, a mulher foi tomar banho e foi esfaqueada debairo do chuveiro. Na manhã do dia programado, os dois filhos apareceram em sua mansão e foram recebidos pelo assassino, surpresos por verem gente nova na casa. O homem recebeu-os no escritório. Sentado atrás de sua mesa, sorriu ao ver os filhos. Antes que o mais velho começasse a falar, o mais novo foi abatido por uma facada nas costas. O mais velho, atônito, não moveu um músculo. Apenas olhou para o pai, que ria da cena. O assassino partiu para cima do mais velho e cravou-lhe no peito a mesma faca que matara o irmão e a mãe. Enfim, o velho se levantou e aguardou o golpe de seu "empregado". Quando este levantou a faca em sua direção, o velho sacou sua arma do bolso e desferiu três tiros no "seu" assassino. O mundo pode ser cruel com as pessoas ignorantes.

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