sábado, 28 de agosto de 2010

Uma praga, esses políticos.

Um caminhar vagaroso e sufocante. Pelo ar seco da cidade e pela poluição decrépita dos anúncios eleitorais, percorri alguns metros sem tropeçar no pedido de um voto. Olhos falsos, olhos de papel. Uma vontade de lançar meu ultimato pela limpeza dos muros e fachadas. Calçadas impedidas por cavaletes políticos. Números e mais números. Economia nas propostas. Uma praga nos olhos. Uma praga na consciência. O candidato das minorias. O candidato dos trabalhadores. O candidato do povo. O candidato dos idosos. O candidato da juventude. O candidato. Um sujeito que polui até paredes. Vamos retocar suas imagens no próximo dia, como culture jammers, trazer para a frente do cartaz o que se enconde atrás da cola, atrás dos sorrisos falsos de falsos profetas. A política partidária deve muito à política cidadã. Enquanto a última vive com parcos recursos, a primeira provoca o nojo da sociedade com sua ignomínia.

sábado, 21 de agosto de 2010

Olho por Olho

Um golpe no ar. Uma morte lenta. Olho por olho, diziam. Não existe olho por olho, pois o olho do que mata só se fecha pelo ato de outro olho, gerando um círculo vicioso. Ele matou um sujeito e o primo deste vingou com a morte daquele. Um terceiro matou o primo e quando se viu não haviam mais laços consaguíneos nas revanches. A cidade era pequena e as famílias em disputa eram menores ainda. Ao final da disputa, a cidade não era mais cidade, apenas um ponto no mapa eleitoral de alguns descendentes que fugiram da seca. Hoje disputam votos na capital e dividem a mesma mesa na sala do cafezinho da Assembléia Legislativa. Pensam em casar os filhos e formar uma nova oligarquia no Estado.

sábado, 14 de agosto de 2010

Um minuto de silêncio

Outro dia brincava com um menino desconhecido.
Outro dia brincava como um menino desconhecido.
Ele crescia no ventre de minha esposa.
Não sabia se menino fosse ou se menina era.
Mas a certeza de uma vida nascendo trazia alegria.
Mais alegria a nossas vidas.
Um minuto de silêncio, pois o menino - ou menina - foi-se sem ter vindo.
Um anjo, uma estrela no céu.
Iluminou nossos dias com sua presença para sempre.

sábado, 7 de agosto de 2010

Motivos para Mudar

Apesar do caráter ficcional de todos os textos publicados neste blogue, gostaria de analisar o meu último registro. Algumas pessoas consideram os motivos apresentados suficientes para matar, outras pessoas pessoas acham que são suficientes para morrer e outras, mais sábias, consideram tais acontecimentos - adultério, traição, desemprego e despejo - motivos para mudar. Somos instigados a tomar outros caminhos na vida a partir de rupturas em nossas rotinas. Existem pessoas que resolvem romper com a sociedade. São essas pessoas que busco retratar neste blogue.

Motivos para Matar

Ele saiu à rua com vários motivos para matar. O patrão o despediu, a mulher o traiu, o irmão o roubou, o senhorio o despejou. Como toda pessoa sem experiência no assunto, utilizou alguns produtos disponíveis no mercado para "criar coragem", alguns legais e outros ilegais: bebidas e drogas. O resultado seria o mesmo, não importava a origem da coragem. O patrão seria o último, pois já era domingo e não sabia onde o encontrá-lo nos dias de folga. A mulher foi a primeira. Foi à casa do amante, que, por coincidência, era o irmão. Resolveria dois problemas de uma vez. Bateu na porta e tapou o olho mágico. A última ação era desnecessária, pois seu irmão não costumava olhar antes para saber quem estava à porta. Já o avisara sobre esse deslize. "Qualquer dia um marginal entra na sua casa." Pelo ruído da chave, duas voltas dadas, notou que poderia se antecipar a qualquer movimento do irmão. Deu um tranco na porta e jogou-o longe. Já foi logo sacando uma pistola e dando uma passagem só de ida ao irmão. Olhou para os demais compartimentos da casa, à procura da esposa. Ouviu barulhos no quarto. "Aquela maldita! Transando durante o dia! Sempre regulou os horários comigo e estava transando durante o dia com o meu irmão!" Quando entrou no quarto viu a mulher tentando pular a janela. Disparou na perna direita da mulher. O tiro fez com que ela caísse para trás. Quando ela voltou a cabeça em sua direção, recebeu o tiro definitivo. Precisava encontrar agora o senhorio. "O puto deve estar naquela pocilga, cobrando o aluguel de mulheres solteiras." Chegou ao prédio e caminhou pelo corredor central do primeiro piso. Morara no último piso. Ali no primeiro era onde as mulheres solteiras costumavam morar. Ele fazia a ronda duas vezes por mês, pois cobrava aluguéis semanais das moças. Antes de chegar ao final do corredor viu uma porta se abrir e o senhorio saíndo com uma mão segurando a calça e a outra mão segurando o dinheiro. O olhar de surpresa do senhorio ao levantar a cabeça em direção à entrada do prédio foi o sinal de largada. "O que você está fazendo aqui? Já não o mandei embora do meu prédio, seu vagabundo?" Antes que essa última palavra fosse pronunciada, a garganta do senhorio se preencheu de sangue. Uma bala penetrou o meio de seu peito. O líquido começou a cair de sua boca, impossibilitando a articulação correta das palavras. A mão que segurava a calça se levantou para fechar o ferimento. A cena não era muito bonita. Um homem velho sem calça no corredor, exibindo uma cueca vermelha. Uma imagem grotesca. Algumas mulheres do primeiro piso abriram suas portas lentamente para ver o que se passava. Espionavam pelas frestas. Algumas exibiam um sorriso de redenção. Outras pareciam não acreditar no que viam. Por final ele mirou entre as pernas do senhorio e arrancou dele seu último instrumento de tortura de meninas inocentes. Deu a volta e fechou atrás de si mais um capítulo de sua história. Caminhou até o seu último local trabalho forma. Bateria o ponto uma última vez. Conversou com o vigia, amigo de longa data, que o deixou entrar no prédio no final de um domingo sangrento. Ele costumava dormir no trabalho algumas vezes. Por isso o vigia não estranhou nada. Na segunda-feira, pela manhã, acordou mais cedo que o costume. Lavou o rosto na pia do banheiro, passou a mão sobre os cabelos e ajeitou-os para trás. Arrumou a camisa, colocando-a para dentro da calça. Bochechou um pouco de água e cuspiu pela última vez naquela pia. Entrou na sala do chefe e o esperou sentado na cadeira confortável da qual o maldito costumava dar ordens e gritar metas metas absurdas. Às oito horas da manhã, a porta do escritório se abriu e um sujeito que costumava ser intolerante, ao ver uma arma apontada em sua direção, se mijou todo. Antes que pronunciasse qualquer choro ou fizesse qualquer promessa, fechou os olhos para sempre.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Medo, eu?

O posto de gasolina havia sido assaltado algumas vezes durante a noite. Trabalhava durante o dia e sempre ouvia as histórias dos funcionários sobre assaltantes mascarados descendo de motos e levando todo o dinheiro do caixa. Conversei com meu chefe duas vezes. Pretendia mudar de turno. Ele negou a mudança uma vez. Na segunda vez não mostrou resistência. Afinal, um dos funcionários da noite, após presenciar um assalto, pediu as contas e foi embora. Minha vida deixaria de ser monótona. Estaria no centro dos acontecimentos. Tranquei o cursinho noturno e me preparei para no dia seguinte assumir o serviço no caixa da loja de conveniências. O coração batia forte. As pernas tremiam quando fiquei sozinho na loja após a meia-noite. Não trocaria aquilo por nada. O sino da porta tocou. Era um cliente. Infelizmente não estava com máscara, nem com capacete. Comprou uma cerveja e foi embora. O sino tocou novamente. Um sujeito usando capacete veio direto até o caixa. Parecia que meu coração sairia pela boca. O sujeito tirou o capacete e perguntou se tinha lasanha. Eu indiquei a direção do refrigerador. Ele não entendeu. Eu apontei novamente para o refrigerador. Ele virou a cabeça para ver e, enquanto eu explicava a ordem de refrigeradores e produtos, ele sacou um revólver. "Passa o dinheiro, moleque! Rápido!" Era do jeito que eu pensava que seria. Ali, na minha frente, o cano do revólver. O cara era corajoso. Tava de cara limpa. Na gravação do circuito interno de tevê, só daria ele. As emissoras pediriam cópias. O sujeito era corajoso mesmo. Ficaria famoso! Bastava eu entregar o dinheiro para ele. Mas não foi o que eu fiz. Eu saquei o 22 do meu pai e matei o cara. Dois tiros, como o meu velho ensinara. Um na cabeça, outro no peito. O sujeito era corajoso, mas também era muito burro. "Medo, eu? Eu nasci para ser estrela!" Nem que seja do noticiário policial. O dono do posto me deu uma gratificação. A polícia tentou criar caso por causa da arma, mas, devido ao sucesso do vídeo na televisão, eu fiquei famoso e esqueceram de importunar. Uma semana depois, o meu patrão me deu um 45. "Meu filho, um produtor de televisão me falou que se você usar um calibre mais alto a imagem fica melhor."

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Trabalhador-Pingente

A vida é difícil. Todo dia de manhã ele vai trabalhar agarrado na porta do ônibus. Balança para lá, balança para cá. Todo dia é dia de suplício. E nem começou a trabalhar. É só o caminho para tortura. Quando chega ao destino de todo trabalhador, começa a atividade de forma maquinal. O sono não permite uma mudança no semblante. Mal alimentado, balançou por algumas horas naquele transporte coletivo. Um transporte desumano, em que seres humanos são tratados como animais que vão para o abate. Os animais pagam o transporte com a própria vida. O trabalhador paga o transporte com o bilhete de passagem e com as horas que perde de sua vida indo e vindo. No final do dia, esgotado, o trabalhador sofre novamente o sofrimento do início do dia. O sono é substituído pelo cansaço de uma jornada estafante. O caminho é feito de pé, em ambiente apertado. As mulheres e os idosos sofrem mais, mas a escala de sofrimento não deve ser aplicada como meio de comparação entre a dor e falta de perspectiva de uma viagem tranquila. Na cidade grande os longos trajetos entre a moradia e o trabalho não permitem uma atividade mais saudável como uma caminhada. O trânsito insano de veículos não permite também outra alternativa de transporte como a bicicleta. O ciclista é o mais fraco entre carros, ônibus, caminhões e motos. O trabalhador-pingente um dia se esvairá como uma gota d'água no deserto.

domingo, 1 de agosto de 2010

Ignorância mata

Em troca de umas poucas moedas, ele faria qualquer coisa: "Até matar, senhor." Era assim que se expressava. Como um escravo, como uma pessoa comum. Às vezes, dizia "doutor". Mesmo não sabendo a quem se aplicava tal expressão. Qualquer pessoa bem vestida, com uma imagem de poder, de hierarquia maior, era tratada como "senhor", como "senhora", como "doutor", como "doutora". Foram poucas mulheres a lhe oferecerem um "serviço" como aquele. Lembra-se de uma, muito tempo atrás. Era rica fazendeira. Jovem. Contratou-o para matar o marido, velho fazendeiro. Casaram-se para juntar os poderes das famílias no interior de Minas. Um dia, ao sair para contar o gado, o velho fazendeiro foi surpreendido por um "assaltante", o qual levou-lhe a vida e o relógio. Um sobrinho muito curioso, tempos depois, questionou a tia sobre o relógio que ele vira em sua gaveta. "Não é o relógio do tio?" Não. Você deve estar confundindo. Quase que ela o contratou para dar cabo do menino, mas não foi necessário. O garoto morreu ao contrair raiva depois de ser mordido por um dos cachorros da fazenda. Coincidência? A questão é que agora ele estava novamente diante de um novo trabalho. Um trabalho diferente. O sujeito que o abordou na calçada da rodoviária chegou todo humilde, oferencendo-lhe um café. Encostaram no balcão do bar e começaram a conversar aquela conversa que só duas pessoas entendem. Os que passavam por ali não faziam questão de saber também do que se tratata aquele contrato de prestação de serviços. Ele fingiu não ficar assustado com a proposta, afinal era a primeira vez que faria aquilo. Aquilo era matar o próprio contratante. Ele foi diagnosticado doente mental. Dizia que a família assim o queria, para poder gastar todo o seu dinheiro. Antes que eles pudessem fazer isso, havia decidido: "Quero morrer." Programaram o dia e a forma do assassinato. O sujeito fazia questão de uma coisa: "Essa aqui morre um dia antes e esses daqui eu quero ver morrer." Ele planejara matar os dois filhos - idealizadores de sua interdição - e sua mulher. "Mulher fraca. Não defendeu seu homem nem dos filhos aproveitadores." Na véspera de sua morte, à noite, a mulher foi tomar banho e foi esfaqueada debairo do chuveiro. Na manhã do dia programado, os dois filhos apareceram em sua mansão e foram recebidos pelo assassino, surpresos por verem gente nova na casa. O homem recebeu-os no escritório. Sentado atrás de sua mesa, sorriu ao ver os filhos. Antes que o mais velho começasse a falar, o mais novo foi abatido por uma facada nas costas. O mais velho, atônito, não moveu um músculo. Apenas olhou para o pai, que ria da cena. O assassino partiu para cima do mais velho e cravou-lhe no peito a mesma faca que matara o irmão e a mãe. Enfim, o velho se levantou e aguardou o golpe de seu "empregado". Quando este levantou a faca em sua direção, o velho sacou sua arma do bolso e desferiu três tiros no "seu" assassino. O mundo pode ser cruel com as pessoas ignorantes.