quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Retrato 3x4
Olhos vermelhos, cabelo oleoso, sorriso fechado, pele ressecada pelo sol. Sessenta anos no corpo de quarenta. Tarefa ingrata de limpar a sujeira dos outros. Varrer sobre o asfalto onde a temperatura em dias de verão é maior do que o termômetro aponta. O uniforme laranja - cor da sabedoria - destinado a quem tiver primeiro grau completo. Não sei o que é pior: o dia ou a noite. Sem o sol, além de escovar as migalhas e papéis, o sujeito tem de desviar de filhinhos e carrinhos de papai.
Momentos de Paixão
Entrou pela porta
Saí pela janela
Um caminho de passarinho
Içando vela
Surfando na porta
Buscando aconchego
Buscando carinho
Trouxe as flores
E o docinho
Espero que goste
Só restou um
No caminho comi os outros.
Saí pela janela
Um caminho de passarinho
Içando vela
Surfando na porta
Buscando aconchego
Buscando carinho
Trouxe as flores
E o docinho
Espero que goste
Só restou um
No caminho comi os outros.
Televisão
- Ridículo! Ridículo! Ridículo!
Ele só sabia expressar isso da minissérie que se pretendia histórica. Diálogos vazios. Personagens vazios. Atores, idem. Dizia: - Se o cara é gay, porra!, bota ele numa cena dando uns amassos em outro cara, caralho! Não me vem com essa de "sou gay, Eduardo...".
Pra ele televisão é imagem, não discurso. Se ele quisesse uma leitura, pegava um livro e se satisfazia com descrições de cenas homossexuais mais explícitas do que esperar isso de uma missérie que peca pelo pudor.
Problemas de estudiosos de cinema. Não conseguem se divertir vendo televisão.
Ele só sabia expressar isso da minissérie que se pretendia histórica. Diálogos vazios. Personagens vazios. Atores, idem. Dizia: - Se o cara é gay, porra!, bota ele numa cena dando uns amassos em outro cara, caralho! Não me vem com essa de "sou gay, Eduardo...".
Pra ele televisão é imagem, não discurso. Se ele quisesse uma leitura, pegava um livro e se satisfazia com descrições de cenas homossexuais mais explícitas do que esperar isso de uma missérie que peca pelo pudor.
Problemas de estudiosos de cinema. Não conseguem se divertir vendo televisão.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
Foice
No hospital
O fascista
Seus últimos
Segundos de vida
Na porta
A senhora
Ação!
Martelada na cabeça
E foice na goela
Só pra garantir
Que do coma
Não sairia
Para ordenar
Mais uma surra nos estudantes.
O fascista
Seus últimos
Segundos de vida
Na porta
A senhora
Ação!
Martelada na cabeça
E foice na goela
Só pra garantir
Que do coma
Não sairia
Para ordenar
Mais uma surra nos estudantes.
Dívida
Sujeito me roga uma esmola. Passo batido porque ando às turras com minhas dívidas. Água, luz, telefone, aluguel, impostos, cartões, cheque especial, empréstimos. Vida de trabalhador não é fácil. Um centavo aqui, outro ali. Amanhã, quem tá na calçada pedindo esmola sou eu. E, se o pedinte for Deus fazendo seus joguinhos, perdo-me, mas quem dá o que não tem fica no lugar de quem pede.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Terapia da Palavra I
Entocado. O fio da navalha. Sentimento do dia anterior ainda mal explicado. Mudanças bruscas de humor me fazem virar animal. Risadas descompassadas, sinal de que algo não está certo. Uma nuvem negra que desce sobre minha cabeça e me deixa atônito, paralisado. Mudanças de humor fazem parte de minha vida, coisas de criança, coisas de adulto. A religião me parece o caminho para a cura, mas a descrença às vezes me é tão salutar que esqueço do apego à Figura de autoridade onipresente e onisciente.
Essas sutilezas não são bem absorvidas em ambientes objetivos como o do trabalho, por isso eu fico entre a cruz e a espada, do siêncio e da cumplicidade. Fraqueza é perda sempre. Nunca vai ser vista como algo permissível. Será sempre objeto de correção, de controle. Mas é no descontrole de nossas emoções que conseguimos captar ajustes psicossomáticos. Desvios de personalidades que não são. Apenas personalidade, sem desvios. Características de uma subjetividade alimentada com a reclusão reconfortante.
Este texto não é poesia, haicai, muito menos um miniconto. Apenas um grito. Primeira sessão da Terapia da Palavra.
Essas sutilezas não são bem absorvidas em ambientes objetivos como o do trabalho, por isso eu fico entre a cruz e a espada, do siêncio e da cumplicidade. Fraqueza é perda sempre. Nunca vai ser vista como algo permissível. Será sempre objeto de correção, de controle. Mas é no descontrole de nossas emoções que conseguimos captar ajustes psicossomáticos. Desvios de personalidades que não são. Apenas personalidade, sem desvios. Características de uma subjetividade alimentada com a reclusão reconfortante.
Este texto não é poesia, haicai, muito menos um miniconto. Apenas um grito. Primeira sessão da Terapia da Palavra.
Sono
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Sono
Bocejo
Que se repete
Questão de Segundos
Na esquina, tem dez minutos que ela estava atrasada. Ele, parado, começou a olhar o relógio. A patrulha passou, os fardados só observando. Ele andou - para aquecer o corpo - olhando o relógio novamente e no vidro retrovisor viram que ele olhava o relógio. Questão de segundos. Quando ele a viu, saiu correndo em sua direção. A bala estilhaçou sua coluna. Na imprensa saiu: "Preto parado é suspeito, andando é perigo, correndo é ladrão". - Palavra de um preto, disse o repórter ao editor. O oficial era preto como o namorado que esperava a guria.
Dieta do Vento
Vou começar amanhã. Vento de manhã, de tarde e de noite. De madrugada, não, porque de madrugada eu como palavras, mastigo pontuações e digiro experiências mal explicadas que só fazem parte do minha mente. Então, a partir de amanhã, eu começo uma nova vida. Só a partir de amanhã. Hoje ainda levo essa vidinha cercada de abuso de açúcar, carboidratos e dessa altivez sedentária. Mas daqui a pouco chega o amanhã e ele não será mais o amanhã. Será o hoje. E o hoje é difícil de abandonar. Mas amanhã...
Depois da meia-noite
Se você não dorme,
Pensa besteira,
Escreve besteira,
Sonha besteira.
Quando olha o reflexo
Pela manhã,
Vê que virou uma
Besteira.
Escova a besteira
Do dente,
Penteia a besteira
Do cabelo
E sai pra rua
Pra fazer o quê?
Poesia.
Viver é uma besteira
Perto da poesia
Que é andar sem rumo
Cantar desafinado
Olhar uma falha no espelho
Por minutos intermináveis.
Quando eu parar de viver
E voltar a notar essas coisas
Volto aqui e paro com essa
Besteira de escrever
Algo que ninguém vai ler
E se ousar ler não vai me dizer:
- Que besteira! Vai capinar uma roça!
Pensa besteira,
Escreve besteira,
Sonha besteira.
Quando olha o reflexo
Pela manhã,
Vê que virou uma
Besteira.
Escova a besteira
Do dente,
Penteia a besteira
Do cabelo
E sai pra rua
Pra fazer o quê?
Poesia.
Viver é uma besteira
Perto da poesia
Que é andar sem rumo
Cantar desafinado
Olhar uma falha no espelho
Por minutos intermináveis.
Quando eu parar de viver
E voltar a notar essas coisas
Volto aqui e paro com essa
Besteira de escrever
Algo que ninguém vai ler
E se ousar ler não vai me dizer:
- Que besteira! Vai capinar uma roça!
Outrora
Aurora se foi, levou Graça e Esperança. Última vez que a viu, tava na estação. Ela foi embora, mas deixou o trem parado no olhar de um homem dependente do álcool, amante da cachaça, que brincava com faca no berço da menor que sorria tocando com o dedinho a ponta da lâmina, olhinhos pequeninos que nunca vão conhecer quem um dia foi seu pai.
O Espaço
O espaço entre pessoas
Diferentes
Se preenche com
Miudezas
Se completa com
Indiferença
Se alterna com
Ódio
Inveja
Rancor
E uma pitada de falta-do-que-fazer-da-vida
Receita para morrer infeliz, esquecido, sem a menor capacidade de dizer:
- Putz! Que merda que eu fiz da minha quase-vida!
Diferentes
Se preenche com
Miudezas
Se completa com
Indiferença
Se alterna com
Ódio
Inveja
Rancor
E uma pitada de falta-do-que-fazer-da-vida
Receita para morrer infeliz, esquecido, sem a menor capacidade de dizer:
- Putz! Que merda que eu fiz da minha quase-vida!
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Passagem
Ponto
Sinal
Degrau
O ato de tirar dinheiro do bolso
E aguardar o troco
Antes de passar na roleta
Passagem
Assento
Viagem
O ato de olhar pela janela
E não ver quem está sentado ao lado
Antes de descer do ônibus
Sinal
Porta
Degrau
O ato de sair
E esquecer o guarda-chuva
Antes de se molhar
Surpresa
A viagem foi mais longa
Do que o esperado
Mas como se espera
Estando em movimento?
Sinal
Degrau
O ato de tirar dinheiro do bolso
E aguardar o troco
Antes de passar na roleta
Passagem
Assento
Viagem
O ato de olhar pela janela
E não ver quem está sentado ao lado
Antes de descer do ônibus
Sinal
Porta
Degrau
O ato de sair
E esquecer o guarda-chuva
Antes de se molhar
Surpresa
A viagem foi mais longa
Do que o esperado
Mas como se espera
Estando em movimento?
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Ele tava ali parado 2
Voltei armado
Dez contos na carteira
Levava ele e mais outro
Devolveram na estante
Explicação dada
Saí com dois exemplares
Ele e o Puig
Antes da pergunta,
Digo-lhe:
- Ele, Mário Prata.
O Puig vou esconder no guarda-roupa
Será meu refém.
Dez contos na carteira
Levava ele e mais outro
Devolveram na estante
Explicação dada
Saí com dois exemplares
Ele e o Puig
Antes da pergunta,
Digo-lhe:
- Ele, Mário Prata.
O Puig vou esconder no guarda-roupa
Será meu refém.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
Ele tava ali parado
Esperando que o levasse
Olhei dentro da carteira
Dinheiro nenhum
A pergunta:
- Vocês aceitam cartão?
A resposta:
- Não.
Mandei reservar
Subi a rua em direção ao shopping
Lá o livro é caro
O caixa eletrônico não tinha dinheiro
Eu também não
O horário do almoço tava acabando
Eu voltei pro trabalho
Deixei ele lá
Sem dar satisfação
Onde já se viu não aceitar cartão?!?!
Olhei dentro da carteira
Dinheiro nenhum
A pergunta:
- Vocês aceitam cartão?
A resposta:
- Não.
Mandei reservar
Subi a rua em direção ao shopping
Lá o livro é caro
O caixa eletrônico não tinha dinheiro
Eu também não
O horário do almoço tava acabando
Eu voltei pro trabalho
Deixei ele lá
Sem dar satisfação
Onde já se viu não aceitar cartão?!?!
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
Falta do que fazer
Me cansa a cabeça
Me mói o pescoço
Me dói a panturrilha
Me causa um calafrio na espinha
Levantar
Nem pensar
Deitado
Pra pensar
No que fazer quando cessar
A dor
De não fazer nada.
Me mói o pescoço
Me dói a panturrilha
Me causa um calafrio na espinha
Levantar
Nem pensar
Deitado
Pra pensar
No que fazer quando cessar
A dor
De não fazer nada.
domingo, 17 de fevereiro de 2008
Livros
Livros fechados em caixas. Preciso rever esse armazenamento. Porque livro fechado não tem sentido. Mas, não tenho estantes para guardá-los. Não tenhos instantes para abri-los. Verificar se as palavras ainda estão lá, entre as páginas 5 e 278. Tomando como média do ano passado, estou em dívida com os livros. Que as traças não os tenham devorados.
sábado, 16 de fevereiro de 2008
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
Assinar:
Postagens (Atom)