domingo, 8 de novembro de 2009

O viciado em livros

Muitos livros. Poca plata. Um viciado. Muitos desejos. Muitas leituras. Mailer, Greene, Fonseca, Assis, Freire. Promoções. 3 por 10. A posse. A procura. A insatisfação. O fazer errado. A acumulação. A falta de controle. A falta de leitura objetiva. O excesso de leitura subjetiva. Uma colcha de retalhos. Saborosa. Asfixiante. Ultimamente, fixara-se no tema espionagem. Tornou-se um crente em conspirações, assassinatos, jogos políticos, usos indevidos de informações. Estava doente. Sua vida mudara. Virara um recluso. Recusava-se a sair. Permanecia até tarde lendo histórias passadas que construiram o presente supostamente democrático. Uma biblioteca ambulante. Tinha opinião para tudo e para todos. Estranho. Um fantasma em busca de uma casa mal-assombrada. Viciado na poeira de livros antigos e recentes. Como uma consumidora compulsiva de shopping, não podia ver uma livraria, um sebo aberto. Entrava. Chegava em casa com uma sacola. "De novo?", diria a esposa. "Alguma coisa para a menina?", complementava. Nada. Queria manter a filha longe do seu vício. Corria para o quarto de livros. Não era uma bibiblioteca. Era apenas um quarto de livros. Um quarto diferente de uma fração. Estava cheio, completo, inteiramente recheado de livros. Alguns velhos, alguns recentes. Nada novo. Somente a leitura era nova. Não catalogava nada. Não registrava nada. Às vezes lia quatro, cinco livros ao mesmo tempo. Ia ao banheiro com um e saía dele com outro. Isso o estava entristecendo. Apesar do prazer da leitura, ele se achava muito só. Apesar da família, mulher e filha, ele se achava só. O vício. Precisava acabar com ele. Tentou ficar longe dos livros uma vez. Ele suava em pleno frio do interior. Manteve apenas um livro com ele durante o final de semana distante da cidade. Quando voltou estava rejuvenescido. No entanto, quando voltou ao trabalho, viu as "bocas-de-fumo" no caminho e retornou ao vício.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O velho não sabia a hora da morte

Ônibus lotado. Não cabia mais ninguém no veículo. Ele entrou e ficou na porta. Parecia um pingente. Começou a olhar para a mulher gestante. Lembrou de sua esposa e filho. Um corte na cena doeu-lhe o coração. Iniciou-se uma discussão. Um velho gritou em direção à mulher grávida. Gravidade. Ele não teve mãe?, pensou. Esperou o diálogo, mas não houve diálogo. Apenas o velho falava, berrava, vomitava violentamente contra a mulher. Queria o lugar de sua filha, o lugar no ônibus, o seu lugar. Ela, calada. O velho dizia as maiores barbaridades que já ouvira. Segurou a vontade de matá-lo ali na frente de todo mundo, até da mulher atingida. Ele desligou conscientemente o volume da peleja. Via o cinema-mudo. Uma mulher sendo violentada na frente de dezenas de pessoas. Ninguém levantara a voz contra o agressor. Esperou ali na porta do ônibus. Esperou o momento exato para sacar o velho do veículo. Numa parada de semáforo, aproveitou a porta aberta esquecida pelo motorista e agarrou o velho, arrastando-o para fora. Não olhou para trás, mas imaginou que todos olharam para a cena assustados. O movimento foi rápido. Ele era bom no tranco. O ônibus partiu e não deixou testemunhas. Ele olhou nos olhos do velho maníaco. O olhar frio atingiu em cheio o idoso, o cavalo, o bruto. Gelou a figura de medo. Ele levantou a mão. O velho fechou os olhos. Quando tomou coragem para abri-los. O nosso homem não estava mais lá. Ficou a lição. Da próxima vez não tem vez. É a morte.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Um monte de merda

Não eram fezes. Eram pessoas. Figuras. As mais abomináveis. Suas línguas eram gravatas de seda. Ocupavam todos os meios de comunicação. Jornal, revista, rádio, televisão. Uma bosta. Gente como a gente não fica daquele jeito quando ganha uma eleição. Gente como a gente não gosta de puxar, de carregar saco. Gente como a gente pode votar errado uma vez. Uma só. Se votar duas vezes errado é porque está se tornando uma merda também. Eu fico aqui relembrando os meus candidatos. Eu confesso. Votei errado uma vez. Foi o meu começo. Influenciado pela figura paterna. Ele nem me instruiu a fazer isso. Eu fui apenas pela impressão. Figura conservadora. Depois, corri atrás da história dos candidatos em que depositaria minha confiança ao depositar meu voto na urna. Apenas recentemente votei em mulher. Mulher de verdade, não essas primeiras-damas herdeiras de sobrenomes políticos. Eu evito pisar em merda, mas, às vezes, a gente encontra uma pela frente.