sábado, 30 de agosto de 2008

Nas sombras

Sem identidade formal. Apenas o relacionamento precário. Trocas de palavras amistosas no café da manhã tomado no boteco da esquina. Não fazia nada. Fingia trabalhar. Saía do quarto-sala para o estabelecimento e, de lá, batia perna pro metrô. Operário. Era o que aparentava. Porém, estava sempre limpo, a roupa passada. A colônia exalando. Voltava à noite. Jantar no mesmo boteco. A comida: o que sobrava do almoço. O boteco ficava numa das ruas mais movimentadas de Belo Horizonte, mas não era muito acolhedor. O prato principal, muitas vezes, era o "torresmo de dinossauro". A luz da sala permanecia acesa até a madrugada. Nenhum barulho. Não havia televisão. Os vizinhos não o achavam estranho, pois não havia vizinhos. Todos os outros imóveis do prédio eram escritórios. O seu, apesar da cama, parecia um escritório também. Era um lugar limpo, ordenado. Não recebia clientes. Talvez os visitasse, e não fosse operário. Não levava pasta, nem papéis. Não podia ser um trabalho normal.

(Continua...)

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O ninja parece artista jamaicano

Já escrevi aqui sobre o ninja da Izabel Bueno. Passado o frio, o sujeito agora ostenta óculos escuros. A moita, que ele cria e recria, tá lá na frente do espaço em construção dos Correios. Em frações de segundos, movido por uma rotina ligeira, seus movimentos manuais não nos deixam analisar que obra faz dos gravetos. Dedos hábeis. Quando olho diretamente, ele pára. Com a visão periférica, noto seu labor de formiga, tecendo os galhos de um arbusto imaginário. Não parei, ainda, para trocar palavras. Imagino que ao descer do ônibus ele não esteja mais lá.

domingo, 24 de agosto de 2008

O retorno na rua errada

Escolheu o caminho mais curto
Retorno à direita
Perdeu um braço
E uma perna
No hospital
Um baço
E uma espera
Entrou em surto.

domingo, 17 de agosto de 2008

Desligando o cérebro

Caminhando pela cidade. Palco: Belo Horizonte. Fins de semanas. Eternos. Quando se embarca no 5201, batemos lá no Buritis. Certa vez, dei umas voltas por lá com minha mulher. Paramos num mercado e pensamos em comprar pão. Que coisa. Comprar pão nos Buritis e trazer o pacote no ônibus para comê-lo no Dona Clara não rolava. Sexta-feira, a idéia foi outra. Idéia, não. Lembrança. Após uma sessão de cinema na Savassi, lembrei que faltava papel-higiênico em casa. Putz! Trazer um pacote de p-h no coletivo não rolava mesmo! Por isso, acho que deve haver uma maneira de desligar o cérebro nesses passeios de lazer. Não daquele jeito que Ana Maria Braga propõe. De um jeito mais honesto. Só isso.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Pára o trem! Eu quero descer!

Coisa pior do que dormir no trem é sonhar no trem. Aquele trem chacoalhando ninguém merece. Banquinho pra magrinho. Passou dos oitenta quilos, aquele assento de plástico não é mais suficiente. E as cotoveladas! Confesso: já cheguei nos oitenta. Achei que nunca, nessa vida, passaria essa vergonha. Ganhei dezoito quilos no meu emprego. Depois do casamento, contabilizo 12 quilos. No trem, metrô, ou seja, aquilo que corre no trilho, no horário que estou saindo do trabalho, só consigo um lugar para sentar quando o "povo que mora mal" desce na Estação São Gabriel. Coloquei entre aspas essa expressão porque não é de minha autoria. Outro dia, um gaiato soltou essa no metrô. Todo mundo riu. Quem não desce e quem desce na São Gabriel. Quando todo mundo saiu, o gaiato continuou com a piada, dizendo que ele morava um pouco melhor, no Vilarinho, lá no final da linha.

sábado, 2 de agosto de 2008

Não cantes mais em meu ouvido

Pobre meu pai
Viajei de trem
Labirintos negros
Dona Maria de Lourdes
Odete
Filme de terror
Eu sou aquele que disse
Não tenha medo, não!
Eu quero é botar meu bloco na rua...
Sérgio Sampaio, não cantes mais em meu ouvido.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Bloco de Concreto

Parado a olhar paisagem
Filtrando os ruídos
Da gente que passa veloz
Estava o bloco de concreto
Interrogando suas raízes
Vergalhões inteiros
Penetrando o asfalto
Da metrópole crescente
Caindo em desapreço
Desespero imóvel
Levantasse suas fundações
E saísse por aí a procura
De uma marquise atraente
Que lhe fizesse carinho
Em sua superfície árida.