quarta-feira, 30 de abril de 2008

Morreu mostrando os dentes

Era bruto. No dizer, no andar, no tratar. Cuspia indignação, mas se corrompia facilmente. Avenida Paraná, pista dupla. Durante o dia, uma benção. Início da noite, um caos. Sinal vermelho para os pedestres, verde para as máquinas. No que foi empurrar um velho a sua frente - para galgar lugar na travessia -, sofreu o movimento brusco de um trombadinha. A trombada foi suficiente para jogá-lo no meio das feras. Morreu mostrando os dentes.

O silêncio perdura o intervalo de uma discussão

O pior silêncio
Aquele que perdura
O intervalo
De um duelo
De palavras hostis
Se afoga em cada um na sua
Ou se deleita num brusco agarrão
Sucedido de lábios gulosos.

Mulher tatuada

Na rua mulher tatuada
Fumando um cigarro
Farrapo humano
Boneca de pano
Tela pintada
Pito
Cigarro de palha
Chaminé ambulante
Olhar vacilante
Perdeu o trem
Das sete novamente
Só amanhã.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Bebendo cachaça no cinema

O aviso tava lá: "Proibida a entrada com bebidas e alimentos". Debaixo do braço, uma garrafa de cachaça. "Pra aliviar a cabeça quando começar o filme europeu". Começou o filme, e ele desengarrafou a preciosa na garganta. Alguém chamou sua atenção, mas ele nem ali. Na fileira da frente, uma jovem soluçava. Emoção. Ele também soluçava. Emoção. No meio da garrafa apareceu o lanterninha. "Ainda existe isso?". "O senhor vai ter de me acompanhar". "Não, obrigado. Agora, se você tiver uns aperitivos...". Coisas que só aconteciam em cinemas urbanos, de rua mesmo, daqueles em que muitos entravam para se proteger da chuva.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Conhecidos perdidos em esquinas

O som da voz
Característica
Peculiar
Retorno de um
Passado perdido
Conhecido
Reconhecido na rua
Entre esquinas
Perdido
Novamente
Para ficar na memória.

sábado, 19 de abril de 2008

Pobre

Pobre
Nasceu sozinho
Pobre
Viveu sozinho
Pobre
Morreu sozinho
Pobre
Virou pó
Pozinho.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Viajando em Sonhos

Na rodovia sem carros
Caminhou
Viajando em sonhos
Pensou
Que caminho seguir
Tentou
Dizer palavras amigas
Notou
Que sua barba crescia
Quietou
Sob a sombra de uma árvore
Deitou
Coberto de relva
Acordou
Com terra nos olhos
Era tarde demais para voltar.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Contrato de Aluguel

Plaquinha no pescoço dizia: Alugo-me. - Como assim, 'alugo-me'? - Eu tô alugando meu corpo, minha alma, todo o conjunto do meu ser. - E quanto é? - Primeiro, precisamos definir as condições. Você tem fiador?

sábado, 12 de abril de 2008

Pedindo socorro na parada do trem

A cena foi rápida. Quando vi, as faxineiras já estavam com esfregão no chão, limpando o sangue. O trem chegou, todo mundo afobado para entrar. Ouviu-se um grito. Todo mundo já estava dentro do vagão, menos uma menina loira. No final de um dia de muito trabalho, pobre não tem muita paciência com o próximo. Saiu no jornal: "Ex-namorado mata garota na estação do metrô".

O homem saiu pela parede

Seis andares. Uma criança. Um assassinato. No que foram ver, o pai disse: "O homem saiu pela parede!". A mentira não foi suficiente. Foi enjaulado. Primeiramente, só. Depois, o privilégio decaiu e ele teve de compartilhar a cela com mais 20. Justiça seja feita. Ele não durou uma noite.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O retorno ao lado do cemitério

Não tem semáforo
Nem faixa de pedestre
Apenas o vermelho
De muitas almas
Abatidas em pleno vôo
Por aves mais velozes
Aves de aço
Com pára-choques de plástico
Plástico negro
Como o asfalto.

domingo, 6 de abril de 2008

Um Abismo Ambiental

Entre você
E eu
Há um abismo
Definido pelo capital
Que me faz usar o transporte
Coletivo
Que lhe faz usar o transporte
Individual
Que emperra meu
Direito de ir e vir
De chegar
Onde você chegou.

Mas não quero
O que você tem
Espero um dia
Compartilhar
Com você
O que possuo:
Consciência ambiental.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Chacoalhando no trem

O trem vem
Sem receio
Viajo
No meio
Sentindo o balançar
De pé a me segurar
Em barras fixas
Esperando um chacoalhar
Quando menos
Se espera
Ele vem
Chacoalhando
Me seguro
Numa curva
Reta
Que desacelera
Para a próxima
Estação
Chegar.