quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Eu tenho nojo!

Escuta, eu tenho um trabalho. Ele não é limpo. Mas não há legislação que o impeça. Ele não é o melhor trabalho, eu sei. Eu apenas escrevo mentiras. Mentiras cabeludas e descabeladas. Eu trabalho em jornal. Eu vivo disso para viver. E não me canso de dizer isso: 'eu vivo disso para viver'. Me dá um desconto. Eu minto e omito. Mas o grande mentiroso é o meu patrão. Ele edita minhas mentiras. Às vezes, eu escrevo uma puta mentira e ele distorce tudo. Quando ele faz isso, ele tira minha assinatura. Mas eu recebo pelo matéria, não se preocupe. É o meu trabalho, mas é o dele também, do meu chefe, mentir. Então, quando eu escrevo uma baita verdade, ele vem e corta umas palavras. Que palavras? Algumas palavras, geralmente, nomes próprios, de pessoas ou empresas. Ele diz que são palavras maiores que o jornal em que nós trabalhamos. São conhecidos como pessoas influentes, no caso de pessoas físicas, e patrocinadores, no caso de pessoas jurídicas. Eu tenho nojo! Juro que tenho. Um dia eu paro e conto a história toda para você.

sábado, 1 de outubro de 2011

O escritor morreu na praça

Parado. Tentava capturar o momento. Sentado na praça, o escritor perdeu o tempo. Seu bloco de notas aberto. Página em branco. Pessoas passavam ao largo. A fonte já secara. O grito das crianças misturado ao barulho dos carros que circulavam e circulavam e circulavam trabalhosamente. Queimando o combustível que movia o mundo. Calado, o escritor inspirava cuidados. Paralisado, sentia o chão sumir aos seus pés. Preso ao banco da praça, guardava sob as mãos os instrumentos de seu ofício. O caderno em branco e a caneta vermelha. O escritor morreu na praça aquele dia. Um animal surgiu da carcaça dele e saiu rugindo pelas ruas da cidade. Um animal estranho, parecido com os burocratas ou vendedores de estabelecimentos comerciais, parecido com o bancário vendedor de seguros, parecido com o auxiliar de escritório sem sonhos, parecido com uma massa disforme sem sentimento e sem interesse. O único interesse: dinheiro.