sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O broche

Três pedrinhas dispostas numa estrutura de metal brilharam em plena manhã nublada, um achado no chão. Seria uma senha? Seria uma mudança de rumo? Subi a montanha em busca de sossego. Duas linhas de ônibus depois, estava em frente a uma casa de loucos. Não havia vagas. Mas eu, louco de pedra, não podia desistir. Precisava de sossego, de descanso. Os nervos à flor da pele também precisam de tratamento. Uma academia para os nervos. Procurei uma segunda clínica. Também não havia vagas. Lotação esgotada. E se eu procurasse um cambista? Inútil. Na terceira casa de loucos, já descendo a montanha, previ o inevitável. Sem vagas. A quarta, talvez, me recebesse de braços abertos. Afinal, eu poderia ser o elo perdido da psiquiatria mineira. Um lelé-da-cuca-legal. Um louco de pedras brilhantes. Também não. Lotação esgotada. Sem agendamento, era impossível a internação. Como? Prevendo uma alucinação, uma crise? "Agenda para mim uma internação daqui a duas semanas, pois eu vou surtar?" Quem sabe se eu pregasse aquele broche na lapela invisível da minha camiseta vermelha, as portas se abrissem para mim. Já era tarde e não obtive êxito na internação. São dois dias longe do trabalho. São dois dias longe da lucidez. Ela vai e vem, de acordo com o humor, bem ou mal. Como era aquela frase? De médido e louco todo mundo tem um pouco? Ou era das famílias que falavam? De médico e louco toda família tem um pouco? Felizmente, eu tenho duas pessoas forte na família. Infelizmente, essas duas pessoas não podem dizer o mesmo. Estou tentando escrever algo inteligível, longe de ser um testamento, pois não cheguei a esse ponto, meu amigo. Um breve relato das agruras de um louco sem tratamento, mas com muito amor pela família. Os remédios já não tratam mais, apenas incomodam. Eu preciso me libertar das drogas, do vício, da alucinação. Eu preciso de uma vaga num hospício, para descansar de outro hospício, o ambiente de trabalho. Lá, no trabalho, eu faço algumas atividades repetitivas, eu repito para mim mesmo: você vai conseguir coisa melhor. Não odeio meu trabalho. Também não o amo. Em respeito às duas pessoas sãs de minha família é que me submeto ao capitalismo, ao ser explorado em troca de capital, de um capital que anda curto, como aquele cobertor de pobre. Um pagamento aqui, uma despesa ali. É preciso muito jogo de cintura nessa roda-viva. Como eu sempre tive essa cintura quadrada, tá difícil rebolar para angariar fundos. Melhor mesmo é internar, pois já estou cansado de exteriorizar essa deficiência. Quem sabe quando o verão chegar, e os demais loucos saírem dos sanatórios, eu consiga lugar naqueles palcos de lotação esgotada. Eu não gosto de sol, mas tem louco que gosta. Cada um com suas atribulações. Eu prefiro um pouco de sombra. Não estou em forma para me expor ao verão. Ainda estou na primavera. Já liguei para o doutor informando o problema. Ele me mandou procurar outro. "Outro problema, doutor?" "Não. Outro médico. Estou entrevistando candidatos ao seu emprego. São milhares este ano." "Doutor, só lamento. Por que não pede um afastamento para tratar os nervos?" Não sei o que aconteceu, mas do outro lado da linha só ouvi aquele singelo tum, tum, tum.

Um comentário:

  1. Essa crônica eu mandei para o Festival Cultural do Banco do Brasil 2010. Hoje saiu o resultado e a crônica acima não foi classificada, nem mereceu uma menção honrosa pelo júri. Desse modo, exponho aqui, para os meus leitores, o que se passou comigo um tempinho atrás. Espero que gostem.

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