quinta-feira, 29 de maio de 2008

Dona Clara

Desceu pela Sebastião de Brito
E bingou no galpão dia-sim-dia-não
Ao lado da moto-escola
Artéria do bairro Dona Clara
A via ostenta um comércio local
Só menor que o da Izabel Bueno
Que até banco tem
Pensou em pegar o 5201
Mas preferiu sair num táxi-aéreo
Do Aeroporto Carlos Drummond
Também chamado Pampulha
Voou tão alto que quase
Encontrou o 5201 no alto do Buritis
Do outro lado, quase, é Nova Lima.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Pastou o dia inteiro

Olhando vitrines
Gastando sapato
Ouvindo barulhos
Abrindo carteira
Piloto automático
Entrando
Saindo
Subindo
Descendo
Passou na roleta
Um tiro na cara.
Não se pode mais
Confiar nesses meninos
Que pedem com ira no olhar.

domingo, 18 de maio de 2008

O caminho torto

Aquele sujeito que olha pra gente e diz "como aquele cara é idiota". Coitado. Idiota é ele que se preocupa em diagnosticar a idiotice dos outros. Olhou pra mim. Pensei que havia lido meus pensamentos. Os olhos analisando algo que eu estivesse pensando ou, pior, que eu tivesse dito, pensando estar pensando. Larguei de mão. Foi só uma suspeita. Insatisfeito com o diálogo mal aberto que se tornou monólogo, visto que não abri a boca para comentar seu comentário, saiu da pastelaria e atravessou a rua. Pensei "podia ser atropelado agora pelo mesmo 'idiota' de um minuto atrás". E foi. Não pelo "idiota de um minuto atrás", mas por outro idiota que lançou o carro no vermelho do sinal.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O braço curto

Quando se precisa
De ajuda
Não se pode
Ter braço curto
Já dizia o
Padeiro manco
Da esquina.

Mordendo calçadas

O bicho era bruto. Roía a pintura de seus semelhantes. Enxergava verde. Parava na faixa e ostentava um motor potente a cada partida do semáforo. Seu esporte nas noites de Goiânia: morder calçadas. Adorava pregar susto nos garis que varriam o meio-fio.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Clandestino

À sombra da acácia
Lábios rachados
Pelo frio
Do golpe
À sombra do prédio
Lábios cerrados
Pelo frio
Da censura
Clandestino
Distribuindo panfletos
Quem sabe diatribes
Mas alguma coisa
Deve ser feita
Para romper
A agonia do silêncio.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Contando grama

A noite foi boa. Perdido estava, contando grama. Quando diziam: "Tá errado! Jardineiro corta grama! Não 'conta'!" Pois é. Só enxerga quem se dá o trabalho. Mantive os planos "contando grama". Vendia o bagulho e ainda me mantinha jardineiro do condomínio. Atrás do parquinho das crianças, o parquinho das "outras crianças". A arborização é uma arte. Camufla o que menos se espera. Toquei sozinho o barco durante um tempo. Depois me cafetinaram. A gente agüenta isso até certo ponto. Depois a gente resolve. É quando surge um pai de família ensangüentado no banco da frente de seu carro importado. A família chora, a gente se emociona, pensa nos filhos, na viúva, mas aí bate a realidade: a baranga fazia a festa no shopping com o dinheiro que o marido dela me roubava.

Fatal

Olhar penetrante
Vagueia distante
Andei te olhando
Mesmo esperando
Um sorriso
Um riso
Calado
Sentado
Na rua
Na sua
Na minha
Não tinha
Desejo
O que vejo
É um bonde perdido
Um tiro, estampido
Desperto
Fatal.