domingo, 30 de março de 2008

Lavando pratos

A tarefa de lavar pratos me assustou o dia. Algo alucinógeno. Talvez a espuma do sabão. Os pensamentos voavam de um jeito estranho após a madrugada em que sonhei com um cachorro e um calango falantes. Ambos do Paraná.

Peixe Partido

Café preto com açúcar
Faca na mão
Tábua no chão
Começa a operação
Partir o peixe
E temperar pro almoço
Tarefa do homem:
Enfiar a faca no bicho congelado.
Tarefa da mulher:
Temperar e assar.
Tarefa dos dois:
Comer, com arroz, feijão e alface.

sábado, 29 de março de 2008

Pobre cuspiu e morreu

Batida na periferia. E não era batida chique. Era pezão na porta e grito de otoridade pra todo mundo da redondeza ouvir. "Cê tá preso! Fica de joelho! Se oferecer resistência, vai levar um teco na testa!". O povo começou a aglomerar na porta do infeliz. Não tinha televisão na hora. Só um repórter da seção policial de um jornal sensacionalista, daqueles que tomam uma cervejinha no final de semana com o delegado em troca de informações. Dentro do barraco, a ação prosseguia. "Seu marginal! Cuspiu na cara de um compadre nosso! Sabe o que vai te acontecer? Vai desaparecer e isso aqui não vai nem sair no jornal." Dia seguinte, o jornal saiu. Nenhuma linha sobre a batida.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Perdendo Dentes

Abrindo castanha no dente, sentiu algo se espatifando entre os dentes. Era, era, era o dente da frente! Aboliu as castanhas do cardápio. Optou por mangas, mas os fiapos lhe levaram outro dente. Cansado das perdas, investiu toda a grana da poupança em dentes de aço. Surpreso ficou ao notar ferrugens nos dentes. Foi enganado, não eram de aço. Mas já era tarde, o ferreiro que lhe adornou a boca com o sorriso metálico já tinha fechado as portas do estabelecimento. Teria que procurar um dentista de verdade.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Perdendo tempo

Contando segundos
Olhando janelas
Contando os olhares
Andando pisando
Pedras mudas
Que não rangem meus sapatos
Apenas alisam os solados
Que um dia me farão
Andar torto.

Perdendo tempo no ônibus

Ônibus. Descontrole total. Sorteio de cadeiras. Não se espremem mais laranjas num corredor de ônibus como antigamente. Hoje há limites. Táticas e mais táticas para se obter um assento. Vale a astúcia de demarcar território, em que o prêmio é sentar e ver a vida passar. O passeio mais ingrato do trabalhador urbano.

Foda-se

Foda-se!
Mate-se!
Cale-se!
Mas
Preserve-se!
Hidrate-se!
Beba mais um gole desse maldito vinho de mesa.
E eu que pensei que vinho era das uvas.

Na tevê

Quero te ver
Na tevê
Sorrindo, cantando,
Tossindo, peidando,
Um só minutinho
Ali no cantinho
Dormindo, pedindo,
Falando, cantando,
Mas não me faça
Perder mais tempo
Do que um comercial
De sandália e cerveja
Onde a bunda
Abunda.

sábado, 22 de março de 2008

Amor a prazo

Juro que te amo
Tantas juras te fiz
De coração aberto
Não me despreze
As palavras
Escolhidas com
Tanto carinho
No final das contas
Meu amor será
Maior que os juros
Do teu cheque especial
Te juro!

sexta-feira, 21 de março de 2008

Juntando moedas

No bolso do casaco junto moedas. Dia chuvoso. Porta aberta. A promoção de romances não me atraem. Percorro as estantes em busca de algo velho no sebo empoeirado. Nada como literatura latino-americana, porém nada pop. A última experiência não foi satisfatória. Deixarei de lado argentinos e chilenos. Quero algo novo. Algo mais peruano, colombiano. Acho um García Márquez bem desgastado, as moedas não dão nem pra capa. Apesar de velho, o livro ainda está na moda.

Roteiro e Trilha

Feliz Ano Velho no ártico revoltou minha receita de leitura, de audiência. A velocidade é diferente no roteiro e na música. Os macacos foram até minha caixa de livros e trouxeram um pouco de literatura barata. A intenção de se fazer uma combinação de letras, planos e canções é mais rock'n roll do que se imagina.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Morro

Subidas rápidas
De sacolejar o esqueleto
Montado num ônibus
Cavalgando pelo asfalto
Subo morro
Desço morro
Passeio por vales de pedras
Entre outros animais
De duas, de quatro rodas
Belo Horizonte de avenidas
De morros e prédios
De encostas forradas
De gente
De favelas
De aglomerados
Não tenho hora pra voltar
Mas um dia, sem volta,
Só quer dizer uma coisa:
Morro.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Aquilo

Em volta do todo
Há nada
Dentro de nada
Pode haver tudo
Mas aquilo que
Se espera
Não se compra
A la carte.

Na canela

Entrou em campo cumprimentando todos que via pela frente. Sua especialidade era: chute na canela. Saiu avermelhado pela figura de negro que também recebeu um singelo beijo de bico, de bico de chuteira.

terça-feira, 18 de março de 2008

Onda Sonora

Rock de rachar o coco
Batedeira de fazer bolo
Bossa nova de ninar
Travesseiro de meninar
Blues de buscar
O que se perdeu
No ônibus que
Leva de lugar algum
A lugar nenhum
Rádio que reproduz
Mas não conduz
O gosto doce de ouvir
Apenas o gosto amargo de mastigar.

Tempo

Passado
O tempo
Presente
Pensou no
Futuro

segunda-feira, 17 de março de 2008

R.G.

10 dedos sujos e 1 foto de alguém que não você. Sem barba, cabelos penteados, retrato de comercial. Sem pai, com mãe. Naturalidade: 1 lugar que nunca viu. 3 estados, 4 cidades. Alguém vai reconhecê-lo quando analisar o seu rosto a partir de um 3x4? Alguém vai pedir-lhe que repita a rubrica para confirmá-lo? E a digital? A única estampada das 10 que o papiloscopista preservou no R.G.? Alguém terá o trabalho de identificar semelhanças? A partir de agora, você só é alguém munido deste documento.

sábado, 15 de março de 2008

Chuva

Intervalo de tempo
Entre uma gota
E outra
Nada me diz
Que fará sol.

Onda Pop

Mala Onda pop
Artigos comerciáveis
Literatura juvenil
Satisfaz a leitura
Mas os intervalos comerciais
Parecem infinitos
Como infinitas
Foram as impressões
Do protagonista
No sentido circular
De repetir o nada
Diversas vezes
Com a expressão:
"Estou de saco cheio".

quinta-feira, 13 de março de 2008

Feio Bonito

Conversa com o espelho:
- Não é querer me gabar, não, mas eu sou mais bonito que a média. Que média? Ora, que média... 93 milhões de brasileiros, com certeza, não devem ser mais bonitos que eu.
Resposta do espelho:
- Nusssss... tá se achando, meu! Ah, e nem vem... se me quebrar a cara, além de feio vai ser azarado... sete anos, fio, no mínimo!

quarta-feira, 12 de março de 2008

Passa limão

Década de 1990. Eu tentei olhar diretamente o eclipse, no que me explicaram milhões de coisas das quais não lembro. O que ficou é que poderia ficar cego. Usando espelho, você "vê" o negócio na parede. Não tem graça, pensei. Fui na mercearia e roubei um limão. Ia ver o eclipse de qualquer maneira. Aí você me pergunta: pra quê o limão? Plano B, rapá! Se algo der errado, eu passo limão nos olhos e justifico a cegueira...

terça-feira, 11 de março de 2008

Ladrões

Ao caminhares pelas ruas amontoadas de pessoas
Sentes a carteira no teu bolso, o relógio no teu pulso
E observas os olhares lançados, pois estes são sinais
Sinais de que algo se aproxima
Quando veres, já estarão longe
E tu sem nada, sem um puto no bolso
Sem hora para voltar
Se tiveres sorte, ainda terás vida.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Cama II

A cama se move
À noite
E ao amanhecer
Procura
Ela estará na
Outra margem
Do quarto
Saindo pela porta
Ou pior,
Pela janela.

Cama I

A cama que range
À noite
Range de dia
Mesmo sem atividade
Mesmo sem a presença
Dos dois

sexta-feira, 7 de março de 2008

Autorização para escrever demais

Senhor escritor, a Sociedade Belorizontina de Parcas Letras vem por meio desta informar que autorizamos o uso de mais palavras que não lhe caibam no instrumento e objeto de seu trabalho. Sendo assim, encaminhamos uma lista de palavras, preposições, adjetivos e substantivos que poderão lhe ser úteis na elaboração de trabalhos intelectuais - ou não -, de foro público - ou privado - que se oriente pela Língua Mãe Portuguesa.

Pensamento: demais orientado não é bom.

Oi

Comé que tatu?
Eu vô bem.
Comé que vaiindo?
Eu vô beem.
Comé que cê some?
Ele sumiu? Acho que não!
Inda tá no meu alfabeto.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Mala Onda

Tá caminhando
Via postal
Nada de Baixo Astral
Prefiro o original
Mala Onda
Semana que entra
Inicio a ronda
A caixa do correio
Vai cansar de mim.

Justiça

É
Justiça
É
Justiça
É
Justiça
É
Se não fosse,
Injustiça
Seria
Mas
É
Justiça
É
Justiça
É
Justiça
É

quarta-feira, 5 de março de 2008

Sebo cibernético

Estou aguardando uma boa notícia
Esse negócio de percorrer sebo
Pela internet, consultanto pedido,
Indo ao banco, retornando à caixa
De e-mail e vendo que o prazo
De pagamento não foi honrado!
Se fosse sebo de rua
Tava na mão.
Reativei o pedido
Vamos ver a quantas anda
Porque espero Mala Onda
Pelo correio
Feito menino
Esperando Papai Noel.

Pedra-Palavra

Algumas pedras para quebrar
Em dias de sol
Em dias de chuva

Algumas mudas para plantar
Em dias de sol
Em dias de chuva

Algumas músicas para cantar
Em dias de sol
Em dias de chuva

Algumas palavras para escrever
Em dias de chuva
Porque em dias de chuva
Os textos saem mais enxutos.

sábado, 1 de março de 2008

Companhia Aérea

Deveres do viajante:
Pagar
Esperar
Calar
Não chegar
O contrato não diz, mas
Em tempos bicudos
Se não ouvir
E corrigir
As falhas,
Não haverá passageiro no próximo vôo.
O direito de ir e vir é pra quem tem dinheiro
E paciência.